Estadão

Ex-comandantes colocam Bolsonaro na condução de uma trama golpista

Depoimentos dos ex-comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, colocam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como o principal condutor de uma tentativa de golpe de Estado. Nesta sexta-feira, 15, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou o sigilo das audiências de ex-integrantes da cúpula das Forças Armadas, de ex-ministros de Estado e de ex-auxiliares de Bolsonaro no inquérito aberto pela Polícia Federal para apurar a suspeita de uma trama golpista.

Os depoimentos dão detalhes dos encontros convocados por Bolsonaro – que já haviam sido citados na delação do ex-ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel Mauro Cid -, e ainda implicam ex-integrantes do governo do ex-presidente, como o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, que teria apresentado uma das versões da "minuta de golpe" aos ex-comandantes das Forças Armadas; e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que teria explicado aspectos jurídicos para embasar as medidas de exceção consideradas por Bolsonaro (mais informações na pág. A10).

Ouvido pela PF, em Brasília, no dia 1.º de março, o general Freire Gomes afirmou que Bolsonaro convocou reuniões no Palácio da Alvorada, após o segundo turno das eleições de 2022, e "apresentou hipóteses de utilização de institutos jurídicos como GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e estado de defesa e sítio em relação ao processo eleitoral".

Freire Gomes alegou que "sempre deixou evidenciado ao então presidente que o Exército não participaria da implementação desses institutos visando reverter o processo eleitoral" e Bolsonaro "não teria suporte jurídico" para anular o resultado da eleição.

A "minuta de golpe" apreendida pela PF, segundo o ex-chefe do Exército, foi apresentada em um desses encontros, no dia 7 de dezembro de 2022. "Bolsonaro informou que o documento estava em estudo e depois reportaria a evolução aos comandantes", afirma trecho do termo de depoimento, que durou oito horas.

Ele relatou que o convite para comparecer ao Alvorada foi enviado por Bolsonaro por meio do ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira, mas o tema da reunião não foi informado. Foi o ex-assessor da Presidência Filipe Martins quem "leu os considerandos e fundamentos jurídicos da minuta", narrou Freire Gomes. Martins foi um dos presos na Operação Tempus Veritatis, em fevereiro.

<b>Rascunho</b>

O general também declarou que uma versão diferente do documento foi apresentada em outra reunião, desta vez com os chefes das Forças e o ministro da Defesa. O rascunho, conforme o depoimento, previa a decretação de estado de defesa e a criação de uma comissão de regularidade eleitoral para apurar a "conformidade e legalidade" das eleições. Os dois pontos estavam presentes na minuta apreendida na casa de Anderson Torres, que negou saber a autoria do documento.

"Houve uma primeira reunião em que foram apresentados os fundamentos jurídicos para a medida. Posteriormente, ocorreu uma nova reunião em que o então presidente Jair Bolsonaro apresentou a minuta de decreto mais resumida", registrou a PF no depoimento de Freire Gomes.

O general não é investigado, mas foi chamado a depor como testemunha em razão de mensagens que Cid lhe enviou citando a "minuta de golpe". De acordo com a PF, as mensagens foram trocadas após uma reunião, no fim de novembro de 2022, em Brasília, de oficiais suspeitos de apoiar um golpe. Freire Gomes foi chamado para o encontro com Bolsonaro no Palácio do Planalto juntamente com os demais comandantes: Baptista Junior e o ex-chefe da Marinha, almirante Almir Garnier Santos.

Conforme a delação de Cid – confirmada agora pelos depoimentos de Freire Gomes e Baptista Junior – os ex-chefes do Exército e da Aeronáutica se opuseram ao plano golpista. Já Garnier teria se colocado à disposição do ex-presidente. À PF, o almirante se calou. "Após verificarem que os comandantes não iriam aceitar qualquer ato contra a democracia, começaram a realizar ataque pessoais", afirmou Freire Gomes.

Mensagens apreendidas mostram que o general Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, liderou campanha contra oficiais que rejeitaram o golpe. Em um dos diálogos, Freire Gomes é chamado de "cagão" por Braga Netto, que foi candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022.

<b>Ameaça</b>

Baptista Junior afirmou aos investigadores que, em dezembro de 2022, Bolsonaro sondou a cúpula das Forças sobre um golpe. Ainda de acordo com o ex-chefe da Aeronáutica, em outra reunião, na qual o ex-presidente voltou a abordar o tema, Freire Gomes chegou a falar em prender Bolsonaro caso ele desse andamento ao plano golpista (mais informações na pág. A10).

O brigadeiro declarou ainda à PF que alertou Bolsonaro de que não houve fraude nas eleições e tinha plena confiança na lisura do pleito diante dos resultados obtidos pela Comissão de Fiscalização do Ministério da Defesa. Ainda assim, Baptista Junior relatou que recebeu, de Bolsonaro, em novembro de 2022, relatório do Partido Liberal que serviu de base para pedir na Justiça a invalidação dos votos gerados em parte das urnas. O PL acabou multado em quase R$ 23 milhões no caso por má-fé. Ainda segundo o depoimento, o ex-chefe da Aeronáutica afirmou que o documento entregue pelo ex-presidente "estava mal redigido e com vários erros técnicos". Para ele, tratava-se de um "sofisma".

<b> Nota de 3 </b>

Sem citar nomes, o advogado Fábio Wajngarten, um dos representantes de Bolsonaro, foi às redes rebater as acusações. "Tem um monte de focas adestradas, bajuladores natos, que falavam o que queriam para ganhar segundos de atenção e notoriedade. Quando apertados, se escondem e ou se portam feito melhores amigos de infância de quem sempre repudiaram", escreveu. "São notas de 3. São amigos do poder da vez. Medíocres", postou o advogado.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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