A visita do presidente Jair Bolsonaro ao americano Donald Trump foi bem-sucedida para os dois lados e mostrou um aumento no nível de confiança dos EUA no Brasil. A avaliação é de Thomas Shannon, que foi o terceiro na hierarquia do Departamento de Estado até 2018 e embaixador dos EUA no Brasil de 2010 a 2013.
Para Shannon, que hoje é conselheiro de política internacional do escritório Arnold & Poter, as concessões feitas pelo Brasil são pequenas perto da aliança formada por Bolsonaro com Trump. “Se você olhar todas as coisas juntas – a OCDE, o status de aliado preferencial fora da Otan, o acordo de salvaguardas tecnológicas -, isso significa muito para o Brasil em termos de nível de confiança entre os dois países em áreas sensíveis”, afirmou Shannon ao Estado.
O ex-diplomata esteve envolvido na negociação com o Brasil no primeiro texto sobre salvaguardas, em 1999. O acordo, que permite o uso comercial da Base de Alcântara, no Maranhão, é classificado por ele como um “grande negócio”. “Naquela época, a ideia de cooperação no lançamento espacial com o Brasil era realmente controvertida dentro do governo americano. A resolução bem-sucedida exigiu uma decisão do Conselheiro de Segurança Nacional da época e do presidente Bill Clinton”, conta.
O texto do primeiro acordo, assinado no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi rejeitado pelo Congresso brasileiro por ser considerado uma perda de soberania do Brasil. O novo acordo começou a ser costurado no governo de Michel Temer, em junho, e foi assinado na visita de Bolsonaro aos EUA.
“Eu acredito que Bolsonaro pode ter crédito pelo acordo de salvaguardas, é algo que requer uma visita presidencial. Do lado dos EUA, como há 20 anos, exigia uma decisão do Conselheiro de Segurança Nacional e do presidente”, disse Shannon, que dá créditos ao sucesso da visita ao embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral – que deve ser substituído nos próximos meses.
Shannon lembra que havia afinidade e interesse intelectual entre Clinton e FHC. Entre Bolsonaro e Trump, segundo ele, a convergência é de visão política. O sucesso do bom relacionamento entre eles, porém, vai depender do quanto isso se traduz no trabalho de ambas as equipes. Shannon menciona que Lula e George W. Bush, por exemplo, se davam bem, mas o PT e os republicanos desconfiavam uns dos outros.
O interesse imediato dos EUA na aproximação com o Brasil, de acordo com o ex-diplomata, é ter um aliado de peso nas políticas contra Nicolás Maduro, na Venezuela. Na Casa Branca, Bolsonaro modelou o discurso para deixar em aberto as opções militares, assim como Trump. Shannon avalia que a “subida de tom” é uma estratégia não só de alinhamento com os EUA, mas uma forma de marcar posição perante outros países da região.
No médio prazo, segundo Shannon, os americanos também procuram fortalecer os governos de centro-direita da região. “Os EUA têm uma preocupação imensa com a crise da Venezuela. Os países da América Latina levaram muito tempo para perceber a seriedade disso. Mas os EUA também estão olhando para a situação da região agora, onde temos governos de centro-direita em vários países. O governo Trump vai querer fortalecer essa tendência e replicá-la na região.”
O Brasil teve de fazer concessões para conquistar o que os diplomatas consideraram seu maior trunfo: o endosso à candidatura do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para isso, os EUA exigiram que o Brasil abra mão do tratamento diferenciado que possui na Organização Mundial do Comércio (OMC). Shannon acredita que a concessão é pequena, perto do alinhamento que o Brasil conseguiu com os EUA.
Segundo Shannon, o apoio à OCDE é uma forma de facilitar as reformas em países com “pensamento semelhante”. Ele elogiou a designação do País como aliado preferencial fora da Otan. “O aliado extra-Otan foi uma jogada inteligente dos EUA. Coloca os militares brasileiros na linha de frente para a aquisição de armas e alinha nossos militares em outras áreas importantes”, afirmou.
O ex-embaixador minimizou o fato de o Brasil não ter saído com conquistas comerciais com os americanos. De acordo com Shannon, o governo Trump tem feito da negociação comercial o pronto principal de diálogo com países sempre que quer ganhar mais na relação comercial. “Não é uma surpresa, considerando a maneira como o atual governo dos EUA vê o comércio”, afirmou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.