Dono de 14 troféus da Liga dos Campeões e com sete títulos do Mundial de clubes, o Real Madrid naturalmente é apontado como franco favorito para ganhar mais uma edição do torneio que tem o Flamengo como representante da América do Sul. Mas para o ex-goleiro Raul, no entanto, ter pela frente o todo poderoso time espanhol provoca mais alegrias do que tristezas. O motivo para tamanho otimismo está guardado nas memórias deste senhor setentão, que há quase 45 anos deu a volta olímpica em cima do temido rival em gramados espanhóis.
"Na decisão do Torneio de Mallorca batemos o Real Madrid por 2 a 1 na base do contra tudo e contra todos. Terminamos a partida com oito homens em campo. O juiz expulsou também todos os reservas, mas aguentamos a pressão até o fim. E o time deles estava completinho, com todo mundo em campo", afirmou Raul ao Estadão em tom nostálgico.
A excursão pela Europa aconteceu no segundo semestre de 1978 e o Flamengo foi desfalcado de seu principal jogador. Zico ficou no Brasil recuperando-se de uma contusão sofrida na Copa da Argentina, naquele mesmo ano. E sem a liderança e categoria do Galinho de Quintino, o título em cima do poderoso time espanhol foi valorizado ainda mais. Era comum os clubes brasileiros se aventurarem pela Europa em jogos e torneios menores. O calendário permitia isso.
"Rapaz, ganhamos sem o Zico. O Júnior, o Carpegiani e o Cláudio Adão seguraram a onda e jogamos como guerreiros. O Tita e o Adílio eram garotos ainda. O juiz começou a favorecer o Real Madrid e só foi expulsando nossos jogadores. A torcida começou a atirar coisas no gramado. Não contavam com a nossa atuação e determinação", afirmou Raul.
Passados quase quarenta e cinco anos daquele confronto, realizado em setembro de 1978, Raul analisou o momento atual das duas equipes. Com a autoridade de ter sido titular e protagonista do clube até a sua despedida do futebol, no fim de 1983, o ex-goleiro enalteceu as peças que o técnico Vitor Pereira tem em mãos e vê uma possível final entre os dois clubes bem equilibrada.
"O Flamengo tem plenas condições de ser campeão deste Mundial. Você tem ali quatro nomes de muito peso no elenco. O Pedro, que é brilhante, o Gabigol, muito decisivo, e ainda o Arrascaeta e o Everton Ribeiro, que também são fora de série", disse. Antes da final, o Fla precisa superar seu rival da semi, o Al-Hilal. Eles se enfrentam nesta terça-feira, dia 7.
Para não sentir o peso de jogar contra um gigante europeu, Raul acredita que o time carioca tem de ser fiel às suas origens. "É jogar como Flamengo mesmo. Solto e descontraído. Isso não é pecado. O time atual pode fazer isso. Tem de aproveitar o momento bonito desse futebol que eles apresentam e tirar o peso da final", ensina.
Com duas Libertadores no currículo (foi campeão em 1976 pelo Cruzeiro, e em 81 com o Flamengo) e com duas decisões de Mundial na bagagem (ficou com vice ao perder para o Bayern de Munique e levantou a taça contra o Liverpool), o ex-goleiro comentou que um detalhe não pode ser esquecido: a arbitragem. E a crítica vai na direção do futebol brasileiro, que abusa da catimba e da malandragem.
"Tem de esquecer o árbitro. Agora tem TV, tem câmera em tudo que é lugar. Não tem de ficar reclamando. Acho que o jogador tem de ser mais "educado". O futebol daqui está muito feio. O jogador tem de entrar para jogar na bola, saber que não pode fazer falta perto da área e evitar cartão bobo. Um amarelo, ou um vermelho, já muda o comportamento do atleta na partida e ate do time."
A comparação da equipe atual com o time histórico de 1981 acaba sendo inevitável. Deixando de lado a parte técnica, Raul vê uma outra semelhança: a liderança espalhada pelos três setores.
"No Flamengo, a gente tinha o Zico, o Júnior e eu como os mais velhos. Mas outros atletas ajudavam a seu modo. O Tita era muito vibrante, o Mozer falava muito, apesar de jovem, e o Leandro também. Aí você olha o time atual e, além dos quatro da frente, tem ainda a experiência de um Filipe Luís e de um David Luiz. Os caras têm Copa do Mundo no currículo, meu chapa", diz.
Raul mora atualmente em Curitiba e disse não ter uma relação tão próxima com a atual diretoria do Flamengo. "Torço por eles, mas não tenho muito contato." Já com os companheiros dos tempos áureos de gramado, a convivência é quase que diária. E isso, graças à tecnologia.
"Fizemos um grupo de WhatsApp chamado 1981 – O ano mágico. Temos 16 ex-jogadores daquele título e estamos sempre em contato. O Zico mesmo, que é meu padrinho de casamento, já passou por aqui e mandou um alô. Na maioria das vezes, conversamos sobre tudo, menos futebol. E nos tratamos pelos apelidos daquela época", disse Raul que ainda hoje é carinhosamente chamado de Véio.
A ligação com os tempos áureos pode ser vista em seu Instagram. Lá, o ex- camisa 1 registra vários desses momentos, e tem também camisas de goleiro estilizadas, licenciadas pelo clube, que podem ser comercializadas com os fãs.
Questionado se uma viagem para Marrocos no início de fevereiro para ver o Flamengo jogar estaria nos seus planos, Raul disse estar impossibilitado por causa dos compromissos. "Estou sempre sendo convidado para visitar as embaixadas do Flamengo ao redor do mundo. No dia 7 de fevereiro estarei em Portugal com a Fla-Porto. Se o Flamengo for para a final, estarei provavelmente em Nova York em outra sede da torcida. Infelizmente não vai dar para ir. Mas vou estar de olho."