A voz é um misto de cobrança e carinho. O ala Betinho, 31 anos, foi buscar no começo de sua trajetória no basquete uma inspiração em meio ao caos que tomou conta da modalidade por causa da pandemia do novo coronavírus. Em um período de incertezas após ser dispensado pelo Pinheiros e sem saber o que pode acontecer na próxima edição do Novo Basquete Brasil (NBB) após o encerramento antecipado da temporada 2019-2020, o jogador está treinando com sua mãe, Rosângela, em Limeira, na cidade onde ela orientou os primeiros passos do filho em quadra.
Esta história teve início quando Betinho tinha apenas oito anos. Ex-jogadora de basquete e formada em Educação Física, Rosângela dava aulas em uma escolinha da modalidade em Limeira. O filho foi um dos seus alunos até os 12 anos. "Quando você é criança costuma ser mais uma brincadeira, uma atividade, do que treino. Foi uma experiência muito legal. Ela que me iniciou no esporte, me ajudou nos primeiros passos, sempre com muito carinho, atenção… Foi muito importante para mim", relembra.
Betinho se apaixonou pelo esporte. Foi treinado também pelo pai, José Roberto, no Nosso Clube em Limeira, passou pelo Esperia de São Paulo, jogou no Fortitudo, de Bolonha, na Itália, com apenas 16 anos, ainda na base. No adulto, rodou por Paulistano, Minas, São José, Caxias do Sul, Campo Mourão e Basquete Cearense até chegar ao Pinheiros em 2018.
Na temporada do NBB que se encerrou oficialmente na última segunda-feira, após decisão unânime dos clubes por causa da incerteza em relação ao avanço da covid-19 no Brasil, o ala era o destaque do Pinheiros, com 16,1 pontos, 3,7 rebotes e 3,5 assistências. A dispensa foi dolorosa e fez Betinho voltar para casa, em Limeira, para os cuidados da mãe.
Com ajuda do pai e da irmã Carol, Rosângela mantém o filho em atividade. Os treinos são diários, às vezes até tarde. Não à toa, o quintal da casa conta com iluminação para os trabalhos noturnos neste período de quarentena. Limeira registra atualmente 51 casos e apenas uma morte por coronavírus.
"É legal tê-la novamente por perto. A minha mãe está sempre disposta em me ajudar nos treinos, não apenas em quadra, mas quando vou malhar ou correr, ela vai junto para fazer companhia. É uma pessoal muito especial, que me iniciou no basquete e continua comigo até hoje", elogia Betinho.
A mãe, claro, adora ter o filho por perto, o que normalmente acontecia apenas no período de férias, e fala com orgulho do momento da carreira. Mas lembra que foi necessário cobrá-lo lá no começo. "Sou a fã número 1. Tenho muito orgulho do homem e do jogador que ele é. Ele se dedica como ninguém, treina, estuda, é coração, tudo que um grande atleta tem, tudo que um grande homem tem. Fico honrada de participar da história dele, de ter sido sua primeira técnica. Puxava a orelha quando tinha de puxar, e hoje sou só elogios porque ele merece."
Além de ajudar nos treinos, Rosângela procura trabalhar o lado psicológico. Ela sabe que o basquete vive um momento complicado, cercado de incertezas por causa da crise econômica. Ninguém sabe quando terá início o próximo NBB? Qual o impacto para os clubes? Quantos vão sobreviver?
O exemplo para seguir em frente ela busca na própria trajetória do filho. "Quando ele saiu do São José, ficou muito triste. Foram seis meses sem propostas, sem poder trabalhar como ele sempre fez. Foi um período duro, mas ele deu a volta por cima. E o mesmo vai acontecer agora, tenho certeza. Estaremos unidos, como sempre, um dando força ao outro nesses momentos difíceis."
Betinho compartilha das incertezas, mas está otimista. A atitude da Liga Nacional de Basquete e das equipes em encerrar o NBB, segundo ele, pode ser importante para o futuro da modalidade. "Todos estão pensando no impacto da pandemia. Agora os clubes precisam se organizar para continuar com os projetos para o ano que vem", afirmou. "A próxima temporada ainda está bastante nebulosa. Torço para que possamos passar por esta situação."
DISPENSA POR CARTA – Betinho confia que o desempenho pelo Pinheiros não vai deixá-lo desempregado por muito tempo. Em relação ao ex-time, ele não ficou satisfeito pela maneira como foi dispensado. A diretoria enviou uma carta aos jogadores avisando que o contrato não seria renovado um mês antes do final do vínculo.
"Judicialmente, o clube não fez nada de errado, seguiram o contrato corretamente e pagaram tudo certinho. Agora pelo lado pessoal, foi um baque. Falava com todos, conhecia todo mundo. Esta carta não teve qualquer preocupação com este relacionamento, com este carinho pelo clube. Existiam muitas formas de fazer isso", explicou.
O ala prefere guardar para sempre na memória um momento especial que viveu pelo Pinheiros. E que teve participação da mãe. Rosângela estava na arquibancada do ginásio Wlamir Marques, casa do Corinthians, quando o filho converteu um arremesso de três no estourou do cronômetro na vitória por 82 a 81, no dia 9 de dezembro de 2019, pelo NBB.
"Eu tinha visto ela na arquibancada, com minha irmã, atrás da torcida do Corinthians, porque não deixaram elas irem para o lado do visitante. Quando converti o arremesso, eu apontei para ela, muita gente até achou que eu estava provocando os torcedores, mas foi para ela. Aquele foi um momento marcante", relembra.