Estadão

Ex-procurador do STJD vê dano subestimado com esquema de apostas: Tem de ser mais rápido

Paulo Marcos Schmitt, presidente do Comitê de Integridade da Federação Paulista de Futebol (FPF) e consultor de integridade do Comitê Olímpico do Brasil (COB) fez duras e sinceras declarações a respeito do esquema de apostas que assola o futebol brasileiro, com 15 atletas denunciados, outros citados e muitos aliciados, como revelou a investigação do Ministério Público de Goiás (MP-GO), responsável por descobrir os casos fraudulentos nas partidas.

Schmitt entende que todas as autoridades envolvidas, desde clubes, federações e, principalmente, os tribunais de Justiça desportiva de cada Estado e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), têm de agir com maior rigor e agilidade para proteger a integridade do esporte a coibir casos de manipulação de eventos esportivos.

"Eu duvido que a gente está fazendo o máximo que a gente pode. Precisamos fazer mais", reconheceu o advogado. Ele foi um dos convidados para debater sobre a manipulação de resultados e a responsabilização dos infratores em evento organizado pela Federação Paulista de Futebol (FPF) nesta quarta-feira.

"Isso já estava anunciado há muito tempo. Só cresceu mais e o Brasil virou ponto de fragilidade, com aumento expressivo de casos", constatou. "Estamos ficando com o mico na mão. A gente precisa parar de ser burocrata. Temos que colocar muita gente no rol de proteção de testemunhas", cobrou Schmitt, segundo o qual, os canais de denúncia são "deficitários".

A investigação do MP de Goiás mostrou que os operadores do esquema de apostas agiam para manipular os resultados e também outros eventos esportivos, como o cometimento de cartões amarelos e vermelhos e a cessão de escanteios nas partidas. Essa dinâmica, segundo Schimitt, "tira a imprevisibilidade do jogo". "É um esquema mais amplo, é manipulação de competições, não só de resultados", diz.

O presidente do Comitê de Integridade da FPF admitiu que os inúmeros casos de fraude em eventos esportivos gerou uma crise no esporte. Relatório anual de integridade da Sportradar apontou que o Brasil ocupa o primeiro lugar no mundo entre os países com mais jogos suspeitos de manipulação de jogos em 2022. A empresa suíça, parceira da Fifa, Uefa e CBF, identificou 152 episódios suspeitos, sendo 139 jogos de futebol. Os 152 representam 12% do total no mundo. A Rússia aparece em segundo lugar, com 92.

"O trabalho vai ser mais duro daqui pra frente porque vai haver mais casos", projetou. Ele entende que ações educacionais serão fundamentais para impedir que surjam novos episódios. A FPF é parceria de outra agência, a americana Stats Perform.

"A gente tem que proteger o atleta. Temos que falar com os jovens da base. São muitas as ações educacionais e nunca vai ser o bastante", afirma.

DENÚNCIAS
Schmitt defende que os relatórios produzidos por agências que identificam casos suspeitos, como a Sportradar, já são suficientes para embasar denunciar de atletas no âmbito desportivo. "Não temos que esperar denúncia do MP. Se esperarmos, só vai piorar", argumenta.

Sua posição é contrária à do procurador-geral do STJD, Ronaldo Piacente, que ofereceu denúncia de oito atletas envolvidos no esquema de apostas com base no inquérito do MP. "Sem relatório não dá pra combater esse fenômeno. Isso não é novo", defende Schmitt. "A Justiça desportiva tem de ser mais rápida". Esses oito jogadores foram suspensos por 30 dias depois que o presidente do STJD, Otávio Noronha, acatou o pedido da procuradoria.

Mariana Chamelette, procuradora do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol de São Paulo (TJD-SP), também reconhece a crise e diz que "o momento de crise pode ser encarado como uma janela de oportunidade para se dar a devida importância para a questão". O mesmo pensa Gustavo Delbin, vice-presidente de Registro, Transferências, Licenciamento e Filiação da FPF. "A partir do caos, podemos encontrar uma solução. Advogados, clubes, atletas, autoridades têm que se juntar. Do caos, vamos fazer a paz."

Famoso por suas declarações controversas, Schmitt foi procurador-geral do STJD do futebol, cargo que ocupou por dez anos, entre 2006 e 2016. Com a imagem desgastada, resolveu sair por decisão própria, no momento em que era muito contestado por ao menos metade dos clubes da elite do futebol brasileiro.

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