Executiva cria bolsas emergenciais em meio à pandemia

Rômulo Neris, de 27 anos, voltava ao Brasil no meio da pandemia, depois de uma temporada na Califórnia, onde fez parte da sua pesquisa de doutorado sobre chikungunya, iniciada na Universidade Federal do Rio. Virologista e dedicado à pesquisa de imunologia, ele sabia que era hora de suspender tudo e trabalhar com o novo coronavírus no País. Mas havia um impasse: se dedicar à pesquisa científica no Brasil, no primeiro momento, significaria trabalhar sem receber salário por isso.

"A princípio eu iria trabalhar sem receber nada por isso", conta ele. Nascido em Duque de Caxias, Neris tinha auxílio da Capes para fazer a pesquisa durante o doutorado na UFRJ, mas perdeu o direito à bolsa ao viajar para os EUA para o período de "doutorado sanduíche". A pesquisa na Califórnia foi custeada também por uma bolsa de estudos, desta vez da Fulbright, financiada pelo governo americano. "Eu tinha aceitado que não teria bolsa no Brasil até a defesa da minha tese de doutorado, mas muitos dos prazos foram estendidos por causa da pandemia e senti necessidade de trabalhar com coronavírus."

Ao saber de histórias como a dele, uma brasileira, executiva na área de microbiologia, achou que precisava agir. E rápido. Márcia Fournier, que vive em Washington, já havia criado a Dimensions Sciences, uma ONG com intuito de fomentar a pesquisa científica e oferecer bolsas de estudos. A proposta inicial era trazer estudantes brasileiros para tempo de pesquisa nos EUA. O coronavírus mudou as coisas. "Decidimos que não poderíamos demorar seis meses ou um ano para fazer processos de seleção. As pessoas estão sem salário hoje, agora. É uma bolsa emergencial."

Com um comitê científico montado às pressas e 30 voluntários, especialistas de diversas áreas, eles fizeram o programa de bolsas e uma seleção em um mês para escolher sete pesquisadores brasileiros que receberam R$ 6.500 por três meses. O dinheiro saiu de doações de empresas e indivíduos. "Sabemos que estamos tocando só a ponta do iceberg, precisamos de mais doadores", afirma Márcia.

A organização foi criada com a missão de incluir minorias na ciência e oferecer não só auxílio financeiro, mas mentorias e coaching, para ajudar no desenvolvimento profissional dos pesquisadores. No caso das bolsas para covid-19 no Brasil, a ideia era focar em quem estava trabalhando com ciência sem compensação financeira. "Custeia o combustível que uso para ir ao laboratório, a comida e até minhas despesas pessoais", conta Rômulo Neris, que trabalha estudando como é a resposta inflamatória do corpo à infecção por coronavírus. "Os próximos passos são incertos. Quero permanecer na academia, quero ser pesquisador ou professor, mas a oferta de vagas para ciência no Brasil tem diminuído."

Glaucia Caruso, de 26 anos, é mestre em Biociências e Biotecnologia pela USP e também faz parte da chamada força-tarefa para covid-19 do Dimensions Sciences. Em Ribeirão Preto, ela se ofereceu para o projeto Supera Ação, com as empresas incubadas no parque tecnológico da USP na cidade. Lá, ela ajuda a fazer diagnóstico de covid-19 de amostras colhidas em hospitais e postos do Sistema Único de Saúde (SUS) da região.

Por dia, o grupo faz cerca de 240 diagnósticos. "Ribeirão Preto é uma das cidades mais afetadas do interior do Estado e existia uma fila enorme de espera de amostras que precisavam de diagnóstico", afirma Glaucia. "As coisas mudaram para mim. Não só porque me ofereceram o auxílio financeiro para fazer o trabalho que estava fazendo sem renda, mas porque me colocaram em contato com diversos profissionais da área científica e me ofereceram mentoria. Isso vai redirecionar minha carreira", afirma.

A meta da ONG é conseguir fundos para apoiar 50 bolsistas no Brasil e ampliar o programa com bolsas nos EUA e Canadá. A fundadora do projeto estudou nos EUA em 1997, com uma bolsa da Capes, e lamenta a diminuição do incentivo à ciência no Brasil. Na próxima leva, ela diz que quer alcançar bolsistas fora dos Estados contemplados na primeira etapa, que foram São Paulo, Rio, Minas e Rio Grande do Sul. O programa começou em maio. A partir de agosto, o vínculo dos jovens pesquisadores com a ONG acaba – e o apoio financeiro também. Mas o compromisso com a ciência, afirma Rômulo, não termina. "Sinto o dever e a necessidade de contribuir neste período para o meu País e o mundo." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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