Assunto do momento desde que indicou que quer lutar tae kwon do nos Jogos do Rio-2016, Anderson Silva não é o único atleta brasileiro que decidiu mudar de modalidade para realizar o sonho olímpico. Que o diga Flávia Fernandes. Há quatro meses, ela venceu o Troféu Brasil de Triatlo. Nesta segunda-feira, embarca com a seleção brasileira de polo aquático para disputar a Liga Mundial. Aos 34 anos, ela tem tudo para, finalmente, disputar uma Olimpíada.
Entre os dois casos, entretanto, há uma diferença crucial: Flavinha é uma das mais consagradas jogadoras de polo aquático do País, com quatro Mundiais e uma medalha pan-americana (bronze em 2007) no currículo. Pelo sonho olímpico, trocou Goiás por São Paulo ainda menina, em 1997, e desde 1999 defende o azul, preto e branco do Esporte Clube Pinheiros. A carreira no polo aquático, entretanto, foi interrompida dez anos depois.
“Joguei o Mundial de 2009, em Roma, e em 2010 surgiu a oportunidade de ir para o triatlo para conseguir a vaga olímpica. O Pinheiros, que é meu clube, criou um projeto, e eu decidi entrar. Nunca tive carro em São Paulo e sempre fiz tudo de bike. Como sou pequena para o polo, sempre quis nadar mais. Também sempre gostei de correr. Fazia provas amadoras e decidi tentar”, conta.
Flávia era a capitã da seleção brasileira de polo aquático em um momento em que não havia a mais remota possibilidade de o Brasil ir à Olimpíada, uma vez que os Estados Unidos e o Canadá estavam muito à frente e só o campeão dos Jogos Pan-Americanos tem vaga olímpica. No triatlo, por outro lado, os resultados logo vieram. “Ia para Londres até a 55.ª do ranking mundial. Fiquei entre as 65 e acabei de fora”, relembra. A campanha olímpica, entretanto, foi desgastante. Só em 2011 foram, nas contas de Flávia, 81 voos. “Eu parava em casa para trocar de mala, só.”
Já com 32 anos, ela sabia que não teria mais pique para mais uma campanha olímpica. Não no triatlo. Já no polo aquático… Tudo conspirava: a seleção viaja pouco, a rotina de competições é muito menor, os treinos são quase todos em São Paulo e o Pinheiros é a base da seleção. E o mais importante: o Brasil está garantido na Olimpíada como país-sede. Era a chance de realizar o sonho da vida toda: jogar uma Olimpíada no polo. Faltava só o básico: entrar na seleção.
“Voltei a treinar no começo do ano passado, em fevereiro. Conversei com o (Roberto) Chiappini, sabia que nada era garantido. Eu tomei essa decisão de voltar porque ia começar o trabalho.Fiquei quatro anos sem jogar polo, então o ano passado foi uma transição. Segui no triatlo porque tinha uns compromissos que não tinha como deixar. Joguei a Liga Nacional, o Troféu Brasil, e fui novamente convocada”, relata Flávia, que desde a virada do ano só treina polo aquático.
Além de técnico do Pinheiros (e amigo de Flávia há 15 anos), Roberto Chiappini é também auxiliar técnico de Pat Oaten, o canadense contratado para comandar a seleção brasileira. Treinador do Canadá por muitos anos, Oaten conhecia bem Flavinha como adversária e aceitou de bom grado o retorno da ponta esquerda ao polo aquático.
A ex-triatleta não é titular da equipe, mas cumpre uma função primordial pela experiência. “Estou descobrindo meu papel no time. Eu não voltei para a seleção querendo o papel que eu tinha no passado. Quando está tudo muito bem, as coisas acontecem. Mas para ficar tudo bem precisa ajudar com a ansiedade, dar as instruções. Vivenciei o Pan de 2007 aqui no Rio, sei como é a pressão de jogar em casa. Quase nenhuma das meninas que está na seleção já jogou um Pan”, argumenta Flávia.
“Eu estou conquistando novamente meu lugar na seleção. Comecei do zero e vim com a humildade. Muitas meninas nem conhecem minha história e hoje estão me conhecendo. Muitas não me viram jogar, nem ouviram falar, mas hoje percebem: “Não é por acaso que ela voltou.”
A geração que jogou com Flávia na seleção não existe mais. Hoje o time é jovem a ponto de ter como destaque a garota Izabella Chiappini, 19 anos, filha de Roberto e atleta da Universidade do Arizona. “Brinquei muito com ela. Frequentava a casa dela quando ela tinha quatro anos. Hoje ver ela assim é um orgulho, um prazer. Ver essa menina, essa revelação, estar jogando lá fora, referência na seleção. É um processo gostoso.”
Casada com Leandro Ribela, atleta olímpico do Brasil no biatlo, Flavinha vive de esporte. Corre, nada, anda de bicicleta e ainda ajuda o marido nos treinos com tiro e esqui. Na união de tantas modalidades, é mesmo aquela que une uma bola e uma piscina a que sempre vai mexer com o coração da atleta que há mais de 12 anos defende o Brasil e agora está muito perto do sonho. “Quero ajudar a coroar uma geração que sempre batalhou muito e nunca conseguiu chegar em uma Olimpíada. Seria a melhor forma de coroar uma carreira.”