Adela é uma jovem nova-iorquina de ascendência cubana. Ela vive em Miami, com Marcos, que deixou Cuba, mas ainda vive envolto em lembranças de sua infância na ilha, entre amigos e parentes. A mãe de Adela não aprova as opções da filha, especialmente de morar com o namorado no sul dos Estados Unidos.
A jovem consegue se equilibrar entre tantos desafios até que Marcos lhe mostra uma foto da última refeição que ele teve com seu grupo cubano, 25 anos antes, quando ainda era criança. Em meio àqueles rostos, Adele descobre alguém familiar, o que abala sua segurança. É a partir dessa trama que o cubano Leonardo Padura, um dos principais escritores da atualidade, usa como ponto de partida para tratar, no romance Como Poeira ao Vento (que a Boitempo lança nesta semana), de um tema caro a seus conterrâneos: a questão do exílio. Afinal, desde 1959, ano da Revolução Cubana, mais de um milhão de pessoas já deixaram a ilha, número aumentado pelos descendentes nascidos em outros países.
Aos 66 anos, Leonardo Padura Fuentes vive em Cuba, apesar de aclamado por sua literatura em diversos países que o acolheriam com facilidade. "Eu não teria sido o mesmo se tivesse saído de Cuba", disse ele ao Estadão, em setembro do ano passado. "Talvez eu tivesse escrito mais e melhor, mas não teria feito da mesma forma. Sou quem sou porque estou onde estou."
Mas o exílio não escapa ao seu olhar literário e Como Poeira ao Vento, romance geracional, traz o registro, por meio da ficção, de quem ficou e de quem decidiu partir. Cuba confrontada consigo mesma e com a diáspora que marca sua história desde os anos 1950.
<b>A atual crise em Cuba causará novos exilados</b>
A trama do romance Como Poeira ao Vento começa em janeiro de 1990, quando um grupo de amigos tira uma foto no aniversário de 30 anos de um deles. Quando dois de seus filhos a descobrem 25 anos depois, a imagem faz com que o grupo se reconecte para descobrir o que aconteceu com eles desde então.
A descoberta de Adela ao olhar a foto mostrada pelo namorado desperta sentimentos sobre o magnetismo do pertencimento e a força do afeto, que tanto pode ser ainda real ou, como diz o título do romance, já desapareceu como poeira ao vento.
Com uma escrita moldada no romance policial, gênero, aliás, do qual Leonardo Padura é craque (o detetive Mario Conde protagoniza a maioria de seus romances), o recente livro do escritor registra as difíceis circunstâncias que ainda abatem o povo cubano, hoje dividido entre apoiar o presidente Miguel Díaz-Canel ou alimentar a crescente oposição, cujas manifestações (algo inédito na ilha até há poucos anos) são proibidas e rechaçadas com violência pelo governo.
Sobre o exílio e temas atuais, Padura respondeu por e-mail ao <b>Estadão</b> às seguintes questões.
<b>Como foi lidar com o tema do exílio, uma vez que você sempre viveu em Cuba?</b>
Você não precisa se exilar para saber o que significa exílio. As experiências de muitas pessoas que conheço, família, amigos, me ensinaram muito sobre como essa condição é vivida, especificamente como os cubanos a enfrentam em diversas partes do mundo. Basta ter sensibilidade para compreendê-los, aceitar suas alegrias e tristezas, suas vitórias e seus traumas. É um aprendizado que conheço por observação, mas também por leitura, já que o exílio é um tema muito utilizado na literatura cubana. E porque, sem dúvida, o exílio implica traumas e foi um drama que marcou a história de Cuba desde nossas origens nacionais, como já mencionei em O Romance da Minha Vida.
<b>O romance trata de temas delicados, como a permanência, a negação a esse pertencimento e a busca de uma identidade. Como foi lidar com esses assuntos?/b>
A permanência e o pertencimento se complementam e foi mais fácil trabalhar porque sou alguém que ficou e que pertence a Cuba. A identidade, por sua vez, é um elemento nosso: somos o resultado de um contexto geográfico, cultural e histórico. E, neste romance, eu queria falar sobre como o pertencimento e a identidade são condições que nos perseguem por mais que nos afastemos, por mais que os neguemos. Por isso não se trata apenas de um romance sobre a saída de Cuba, mas também sobre a impossibilidade de sair espiritualmente de Cuba ou de qualquer lugar a que você pertença por causa de sua cultura, de sua sensibilidade.
<b>Também o romance traz três personagens femininas muito distintas – como foi dar-lhes vida a partir da realidade do exílio?
</b>
Acho que um dos grandes desafios desse romance é lidar com três protagonistas femininas. Três mulheres muito diferentes entre si, mas ao mesmo tempo próximas devido à sua condição de gênero. É claro que a relação de pertencimento a algum lugar foi decisiva no caráter de cada uma delas. Uma fica, outra se afasta e nega tudo e outra tenta ainda descobrir quem ela é. Mas há também suas relações com os outros personagens e entre si, que são decisivas para o que acontece no romance e que me obrigaram a ter muito cuidado ao escrever sobre elas. Para um homem, penso que é sempre um desafio compreender e assumir o pensamento de uma mulher, não só pela condição sexual, mas também pelo que as sociedades impuseram umas às outras. Juro que foi difícil lidar com elas.
<b>Um dos momentos mais comoventes do livro mostra Irving dividindo com o amigo Darío o dinheiro que encontrou na rua – mesmo vivendo com muita necessidade. A amizade ainda é importante para você, não?</b>
Este é um romance sobre o valor e a permanência da amizade. Sobre como na distância e mesmo nas diferenças de pensamento, a amizade pode nos preservar e nos salvar. Exemplos como o que você colocou se repetem no romance porque eu queria intensificar aquela relação de amizade entre personagens que, sendo amigos, estão até dispostos a perdoar certas traições, ou pelo menos entendê-las e, se possível, superá-las. Dou grande valor a essa relação humana e, como sabem, ela aparece em todos os meus romances, principalmente nos do meu personagem Mario Conde, que tem seu próprio clã.
<b>Adela é uma personagem estranha: é magnetizada por suas raízes cubanas, embora tenha nascido em Nova York e ostente uma educação americana. Não é regra os imigrantes se integrarem à cultura do país em que se instalam?</b>
Você disse bem: Adela é estranha. Tem dificuldade em saber a que lugar pertence, mas, ao mesmo tempo, sente atração pelo sentimento de pertencimento e se identifica com sua metade cultural cubana quase por decisão pessoal ou por fatalidade, não sei. Adela foi inspirada nos filhos de cubanos que nasceram fora de Cuba e se sentem muito cubanos ou próximos da ilha, embora perceba que eles não sabem o que exatamente é Cuba, ou não ligam. Mas lembre-se também de que Adela tem um relacionamento conflitivo com sua mãe, que decide muitas de suas opções e sua formação de caráter.
<b>O romance chega a 2016, quando muitas coisas em Cuba mudaram para pior e o ódio aumentou ainda mais. Você tem receio de que a atual instabilidade econômica alimente o exílio ainda mais, como aconteceu nos anos 1990?</b>
Tenho certeza de que a atual crise em Cuba causará novos exilados, muitos talvez. Neste momento, devido à pandemia e às dificuldades para viajar, essa explosão está contida, mas assim que surgirem vias de fuga, muita gente vai escapar. As pessoas em Cuba estão cansadas, cada vez mais desencantadas, senão desesperadas, e perderam a esperança de que as coisas possam melhorar.
Especialmente os jovens, que não querem que sua vida se esgote entre tantos slogans que não resolvem seus problemas vitais, que não garantem a satisfação de suas necessidades. Isso pode parecer pragmático, mas, depois de tantos anos alimentando uma utopia que não deu os resultados esperados, prevalecem o pragmatismo e a busca de soluções individuais para o fracasso coletivo.
<b>Como analisa os primeiros meses do governo de Joe Biden? Já é possível temer a volta do trumpismo?</b>
Biden foi um fiasco, até para os americanos, e esse fiasco pode permitir um retorno do trumpismo. Se você comparar Biden com Obama, notará imediatamente sua falta de brilho, de classe, de decisão política. É difícil saber para onde ele está rumando, o que deseja, como planeja alcançar seus objetivos.
<b>Você ficou surpreso com os cubanos que moram na Flórida e votaram em Trump e não em Biden?</b>
Não, não fiquei surpreso. Mas não quero julgá-los. Eu gostaria de entendê-los. Não porque sejam trumpistas, mas porque não consigo entender que qualquer pessoa (exceto Trump) possa ser trumpista. Um homem que faz aquele gesto de desprezo por tudo e por todos com a boca… Como admirar alguém assim? Não, juro que não entendo…
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>