Haddock Lobo era português. Frei Caneca foi fuzilado. Pamplona teve uma fábrica de sabão. Joaquim Eugênio de Lima era uruguaio. Peixoto Gomide matou a si e à filha de 22 anos.
Os personagens que nomeiam as ruas da Avenida Paulista e adjacências saem das placas hoje e suas histórias pessoais caminham resolutas pela cidade no traço do cartunista Paulo Caruso, um dos grandes caricaturistas da Pauliceia sinalizada. O artista expõe desde a semana passada, na Caixa Cultural, na Praça da Sé, 200 caricaturas, ilustrações e gravuras, entre originais, totens e banners (estes últimos espalhados pela avenida) derivados da série Paulistanos Ilustres.
Sob o pretexto de comemorar os 461 anos de São Paulo, a exposição também será interativa: 10 nomes de rua virarão bonecos recortados em madeira no hall do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. Outros 13 ocuparão os totens de sinalização da própria rua, um jeito de estender a homenagem a sua origem geográfica.
“É uma leitura que faço da personalidade dessas figuras históricas pela via do humor e da caricatura”, explica Caruso, que há 61 anos forma (com o irmão gêmeo “carioca” Chico Caruso) um dos grandes tradutores da alma paulistana. Ambos têm 65 anos e começaram aos 4 anos de idade. Com uma curiosidade: nunca desenharam juntos, ao contrário de outros gêmeos da ilustração, como Fabio Moon e Gabriel Ba.
Paulo Caruso começou a esquadrinhar São Paulo em 2003, mas desenhando principalmente os edifícios que compunham aquilo que chama de “memória afetiva” de sua vida. Num segundo momento, começou a pensar que gostaria de dar contornos também aos nomes dos homens que fizeram essa geografia urbana, muitos deles profundamente desconhecidos da população.
A pesquisa biográfica dos personagens foi uma saga. Além de arquivos da Prefeitura de São Paulo, dos livros sobre São Paulo, Caruso frequenta uma roda de paulistanos célebres, de onde tirou subsídios. Há mistérios que continuarão insolúveis, como por exemplo o rosto do Padre João Manoel, do qual não se tem nenhuma imagem nem em fotografias nem em telas. Para contornar isso, o cartunista optou por utilizar outros personagens lendários das ruas que não permitiam caricaturas de seu personagem originador. A Alameda Casa Branca, por exemplo, é representada pelo casal criador do Masp, Pietro Maria e Lina Bo Bardi.
Ficamos sabendo que Bernardino de Campos foi o primeiro chefe de polícia do Brasil republicano. Que Leôncio de Carvalho era carioca e foi um dos relatores da primeira Constituição de São Paulo. Que o ministro Rocha Azevedo era gaúcho de Campanha. Saindo da Avenida Paulista, mas ainda nas imediações, chegamos a Teodoro Sampaio e Rebouças, ambos negros, ambos engenheiros militares e abolicionistas.
Da musicalidade de Patápio Silva à elegância de Heitor Penteado. Heróis e anti-heróis saem das placas para a vida. Como, por exemplo, o famoso ladrão Gino Meneghetti, homenageado por Caruso com uma fuga pelo tempo acima dos casarões da Avenida Paulista – ele que, nos anos 1910 e 1920, surrupiou as mansões dos quatrocentões com estilo e audácia que o tornaram lenda na cidade.
“Bigodões, costeletas suíças, falsos carecas nos dão a exata noção do que fomos, onde estamos e para onde iremos quando fizermos parte do passado dessa megalópole”, assinalou o cartunista.
Ele mesmo, no catálogo da mostra, aponta aquilo que considera suas incompletudes: “Em torno de uma centena de personagens de uma lista ainda incompleta – cadê as mulheres, Dona Veridiana, Maria Antonia e Angélica? – que nos ajudam a ver e nos localizarmos na cidade através de outros parâmetros”. A maior parte das ilustrações foi publicada originalmente pela revista Época e Diário de São Paulo e devem integrar o livro Paulistanos Ilustres Ilustrados, por Paulo Caruso, ainda em produção. “Ainda não consegui editora”, explicou.