Variedades

Exposição no Masp propõe nova leitura das obras do pintor sobre o trabalho

Da primeira tela com tema brasileiro, Baile na Roça, pintada em 1924, aos 21 anos, à última, uma boneca carajá, inacabada, de 1962, a exposição Portinari Popular, que o Masp abre nesta quinta, 11, comprova em 54 obras o esforço do pintor de Brodósqui para colocar em foco a cultura e os tipos nacionais. Como sugere o título da mostra, ela evidencia a relação de Portinari (1903-1962) com o trabalho e os tipos populares, propondo, segundo o curador Adriano Pedrosa, “uma revisão da obra do artista, sempre analisada do ponto de vista formal em comparação à pintura modernista europeia”.

Em Portinari Popular, é possível, claro, identificar essa relação sem muito esforço, notadamente a presença de elementos da arte europeia – antiga e moderna – que seriam incorporados à pintura do artista após os dois anos que passou radicado em Paris, entre 1929 e 1930. Porém, é preciso lembrar que foi justamente durante sua temporada na Europa que Portinari teve um insight sobre o desconforto que lhe causava pintar sem considerar o vínculo afetivo com seu passado “caipira”.

Ainda em Paris, ele desenha, em 1930, um tipo popular de Brodósqui, Palaninho, sobre quem nunca tinha pensado no Brasil. Palaninho era um baixinho esbranquiçado pelo amarelão, de aspecto doentio e um dente só na boca, que só vestia roupas feitas de saco de farinha e cheias de remendo. Amarrava as calças com palha de milho e elas, segundo Portinari, “ficavam engastadas nas botinas”.

São tipos populares como Palaninho e sua mulher que ele, de certa forma, retrata em Baile na Roça. A tela abre a mostra do Masp, provando que, de alguma forma, o homem brasileiro do povo já estava presente em sua pintura bem antes de seu retorno da Europa – ainda que sem traços do modernismo revelados no Salão Nacional organizado pelo urbanista Lúcio Costa, em 1931.

Paradoxalmente, Baile na Roça foi submetido ao júri do salão anos antes e recusado pela Escola Nacional de Belas Artes, que o considerava moderno demais para seus padrões. Desaparecida durante anos, a tela, vista hoje, revela uma pintura que deixa as marcas das pinceladas aparentes e conserva algo da tradição dos macchiaioli da Toscana, evocando ainda o clima dos bailes populares do uruguaio Pedro Figari (1861-1938).

Na mesma primeira fileira estão agrupados exemplos da virada modernista de Portinari. Já nos anos 1930, ele coloca em primeiro plano a temática social, com tipos populares cujo traçado expõe sua vocação para a monumentalidade – como as clássicas Mestiço e Lavrador de Café, ambas as telas de 1934. Bem perto delas está o retrato que fez um ano depois do escritor modernista Mário de Andrade, amigo e principal incentivador de Portinari. É a única exceção a uma figura do universo intelectual e burguês em toda a exposição, dedicada exclusivamente às figuras do povo, conforme decisão do curador Adriano Pedrosa.

“A mostra, antes de tudo, faz um recorte na obra que evidencia a relação de Mário como interlocutor e intérprete da pintura de Portinari, reconhecendo nele o principal pintor modernista a tratar de questões como identidade e etnia”, observa o curador, caminhando entre pinturas que retratam figuras populares e trabalhadores. Um dos destaques dessa mostra, que tem obras do acervo do próprio museu e outras emprestadas de diversas instituições e coleções particulares, é a tela O Lavrador de Café, furtada do museu em dezembro de 2007 e resgatada em janeiro de 2008. Como em O Mestiço, predominam o marrom da paisagem e as composições monumentais, em que a figura humana parece emergir de uma dimensão tridimensional com pés agigantados.

“Falam da influência de Picasso e do muralismo mexicano, mas queríamos justamente discutir a maneira antropofágica de Portinari incorporar esse conteúdo, canibalizando esses traços nessa operação”, argumenta o curador, lembrando que o pintor brasileiro foi um dos pioneiros, no Brasil, a retratar o negro e o índio.

Telas raramente vistas foram emprestadas para a mostra, que reconstitui o projeto expográfico da retrospectiva organizada pela arquiteta Lina Bo Bardi no Masp, em 1970, dedicada ao pintor – uma estrutura simples com ripas de madeira. Uma delas é Favela (Shantytown, 1958), de uma coleção particular, que “canibaliza” o geometrismo da portuguesa Vieira da Silva, jogando uma luz de vitral sobre um ambiente pobre e suburbano antes retratado em tons de terra.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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