Variedades

Exposição no Sesc Ipiranga reúne fotos do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro

Os índios continuam a circular pelo território brasileiro. Insubordinados, eles resistem ao genocídio cultural porque, no passado, conheceram o extermínio do corpo. Já viram, portanto, o fim do mundo, em 1500, e sabem como é, como diz o antropólogo carioca Eduardo Viveiros de Castro, homenageado na exposição Variações do Corpo Selvagem, que o Sesc Ipiranga abre neste sábado, 29, às 16 horas, com curadoria dos escritores e professores Eduardo Sterzi e Veronica Stigger.

A mostra reúne 337 fotografias feitas pelo etnólogo, que foi considerado pelo colega Lévi-Strauss o fundador de uma nova escola de antropologia, conhecida como perspectivismo ameríndio. De modo bastante sintético, o perspectivismo de Viveiros de Castro se diferencia do relativismo cultural por entender que, no mundo indígena, os animais podem assumir a perspectiva humana, de maneira inversa ao que se passa no mundo dos brancos, submetido ao princípio de que a cultura é construída, e a natureza, imutável. Para o índio, o dado universal é justamente o contrário: é a cultura. O corpo, esse se constrói, como mostram os rituais de pintura e escarificação entre os índios. Não existe nada de natural na natureza. Para eles, ela é sobrenatural.

A exposição dialoga com o perspectivismo ameríndio de forma original, estabelecendo relações entre as fotos feitas nos últimos 40 anos pelo antropólogo nas tribos com as quais teve contato e sequências de stills dos filmes dirigidos pelo amigo Ivan Cardoso, com quem colaborou em algumas de suas produções, entre elas como roteirista de A História do Olho, baseado no livro homônimo de Georges Bataille, com Claudia Ohana e Mustapha Barat.

Se o livro de Bataille trata de uma história libertina do corpo, acompanhando as experiências sexuais do narrador, a exposição de fotos no Sesc Ipiranga é uma história libertária desse mesmo corpo – tanto entre os índios como nos filmes de Ivan Cardoso, entre os quais o experimental H.O. (1979) com o artista Hélio Oiticica.

Os curadores ocuparam todo o Sesc Ipiranga com a mostra, inclusive os arredores, instalando nas alamedas do parque da Independência painéis com fotos dos filmes de Cardoso, entre eles O Segredo da Múmia, clássico do “terrir”, gênero criado por ele que funde a linguagem dos filmes de terror com o humor camp, desmontando o cinema convencional com o deboche tropicalista.

Ivan Cardoso é amigo de infância de Viveiros de Castro, que, descendente de senadores e ministros da República, foi garoto rebelde, frequentador da casa de Oiticica. O artista, como se sabe, circulava tanto em Ipanema como no morro da Mangueira, produzindo uma arte marginal hoje disputada por ricos colecionadores. Oiticica (1937-1980) é autor de uma série que ficou popular, a dos parangolés, resultado de suas experiências com os passistas da Mangueira. O parangolé, que pode ser tanto uma capa como um estandarte, corresponderia a uma tentativa de construção de um corpo como fazem os índios ao escarificar a pele ou pintar o rosto. Numa das paredes da primeira sala da exposição, o poeta Wally Salomão aparece com um “parangolé” de rosto numa foto colocada ao lado de um índio na mesma situação.

“Tentamos na mostra estabelecer rimas visuais, começando já no prólogo, a parede frontal, por evidenciar a relação entre o corpo hierático de um índio e o de um passista da Mangueira vestido com um parangolé”, explicam os curadores. Da mesma forma que os índios fazem associações aparentemente malucas para entender os fenômenos e o universo, os curadores recorrem a analogias entre as imagens das tribos indígenas e urbanas – no caso, a de Oiticica e Ivan Cardoso – em busca de sinais que as aproximem. O resultado é desestabilizador. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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