O processo de quatro dias para eleger 751 deputados europeus em 28 países acaba neste domingo, 26. Geralmente, a campanha é tão modorrenta que menos da metade dos 427 milhões de eleitores costuma votar. Mas, desta vez, a ascensão do populismo de direita deixou a votação mais interessante. Os eurocéticos, que sempre esbravejaram contra os burocratas de Bruxelas, oficializaram uma aliança para minar o bloco atuando no Parlamento.
A mudança de estratégia ficou evidente na campanha. Matteo Salvini, vice-premiê italiano, e a francesa Marine Le Pen, ambos representantes da extrema direita europeia, passaram os últimos meses prometendo aos eleitores mudar o bloco a partir de dentro. Recentemente, refundaram seus partidos, buscando ares moderados.
Na Itália, a Liga Norte se transformou em Liga. Na França, a Frente Nacional virou Reunião Nacional (RN). Ambos suprimiram da agenda propostas de sair da UE ou de abandonar o euro. “Não havia saída”, disse Le Pen.
O trauma e os prejuízos causados pelo Brexit ao Reino Unido contribuíram para a mudança de rumo. “Parece exagerado dizer que a extrema direita quer destruir o bloco por dentro. Mas, na prática, é isso mesmo”, disse ao Estado James Tilley, professor de política da Universidade Oxford. “A extrema direita pretende reorientar a UE. É como se os eurocéticos sonhadores começassem a se transformar em eurocéticos pragmáticos.”
Mas os partidos eurocéticos não são monolíticos. Eles compartilham da antipatia por imigrantes e da hostilidade à UE – e só. Uma das tensões é fiscal. Nacionalistas do norte da Europa defendem um orçamento enxuto e mais eficiente. Já os líderes populistas de países do sul e da Europa Central, que se beneficiam de fundos distribuídos por Bruxelas, não gostam da ideia.
Outra divergência é diplomática. Le Pen e Salvini querem se aproximar de Vladimir Putin, mas os populistas do Leste Europeu, que viveram sob a tutela da União Soviética, rejeitam a aliança com Moscou. “Falta aos populistas uma visão comum. Eles concordam mais com aquilo que não querem do que com as coisas que pretendem atingir”, disse o historiador Paul Jackson, da Universidade de Northampton.
Na semana passada, tentando aparar as arestas, Salvini reuniu as maiores estrelas do nacionalismo europeu em um comício em Milão. No palco montado na Praça do Duomo, a confraria estava toda reunida. Le Pen discursou. O holandês Geert Wilders tirou selfies ao lado de Joerg Meuthen, líder da Alternativa para a Alemanha (AfD).
Segundo pesquisas, a aliança de extrema direita pode eleger um terço dos deputados do Parlamento Europeu. Ainda que não sejam maioria, eles devem reduzir o espaço da centro-direita e da centro-esquerda, obrigando os líderes a negociar com os partidos populistas ou com outros grupos menores. “Mesmo que não obtenham um terço dos assentos, eles conseguirão evitar consensos majoritários e obrigar o grande bloco de centro a dialogar”, avalia Tilley.
O momento é favorável ao nacionalismo. A crise financeira de 2008 afetou a zona do euro e a confiança nos partidos tradicionais. Quando a UE parecia se recuperar do choque, vieram os imigrantes, principalmente afegãos, sírios e do Norte da África, refugiados de guerras civis e conflitos provocados pela instabilidade deixada pela Primavera Árabe.
Em Bruxelas, os europeístas nunca estiveram tão só. Do outro lado do Atlântico, pela primeira vez desde o pós-guerra, eles têm de lidar com um presidente americano hostil. Da Casa Branca, Donald Trump ameaça impor tarifas a produtos europeus e sabotar a Otan.
Neste clima, o ex-estrategista de Trump, Steve Bannon, rodou a Europa distribuindo conselhos aos nacionalistas. Em 2017, ele fundou uma organização batizada de Movimento, uma espécie de “Internacional Nacionalista”. O objetivo, segundo ele, era eleger ao menos um terço do Parlamento Europeu.
Em diversas entrevistas, ele definiu sua ideia como o slogan “governar pela negação”. Segundo ele, com um terço dos deputados eleitos, a extrema direita seria capaz de travar a agenda da integração. Em sua cruzada contra o globalismo, Bannon convenceu muitos líderes populistas de que era melhor minar a UE, em vez de deixá-la.
No papel, a Europa foi uma ideia que deu certo. Países que passaram a história brigando criaram um espaço de interdependência econômica. “Embaralhamos tanto nossos interesses que a guerra se tornou impossível”, disse Herman Van Rompuy, ex-presidente do Conselho Europeu, ao aceitar o Nobel da Paz dado à UE, em 2012.
Em troca, os governos cederam parte da soberania para uma autoridade difusa, que muitas vezes se esconde em um emaranhado institucional. A chatice da política europeia, segundo Van Rompuy, seria um “pequeno preço a pagar” pela paz. E o Parlamento Europeu, que será definido neste domingo, é a epítome da confusão.
Enquanto as sessões plenárias ocorrem em Estrasburgo, as comissões parlamentares se reúnem em Bruxelas e o secretariado trabalha em Luxemburgo. Segundo o Tribunal de Contas Europeu, ¤ 103 milhões seriam poupados sem o vaivém de deputados entre as três cidades. (Com agências internacionais).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.