Mundo das Palavras

Facebook: o ácido lisérgico de hoje

O doidão dos anos 70 era usuário de maconha, ácido lisérgico, haxixe, mescalina e compostos de outras substâncias que alteravam temporariamente as percepções das pessoas e seus estados de consciência

Oswaldo Coimbra

O doidão dos anos 70 era usuário de maconha, ácido lisérgico, haxixe, mescalina e compostos de outras substâncias que alteravam temporariamente as percepções das pessoas e seus estados de consciência. Ocorre que, na verdade, o doidão era muito lúcido. Talvez fosse a mais lúcida das pessoas de uma época, dominada por “tanta mentira, tanta força bruta” como escreveu um deles – Chico Buarque – na letra de música em que pedia: “Pai, afasta de mim este cálice”. O doidão era um ser jovem e sensível. Se mudava o funcionamento de seu cérebro com os componentes daquelas drogas que atuavam em seu sistema nervoso era porque sentia necessidade de entrar em outro tipo de realidade. 

O doidão de hoje se contorce por efeito de outra “bebida amarga” tão forte como a do cálice de Chico, imposta hoje à Humanidade. Aquele veneno cotidianamente administrado por psicopatas, como Trump, que controlam o planeta com poder, riqueza e ogiva nuclear. Por isto, o neodoidão igualmente procura defender-se em outra realidade, paralela, onde tem amigos, a internet. Lá, busca aceitação, afeto, admiração, empatia – sentimentos que recebe em pequenas porções – os likes – como líquidos de ampolas. 

Nem sempre, porém, o que injeta no seu sangue traz-lhe as visões coloridas, psicodélicas, semelhantes às desfrutadas pelo doidão antigo. Às vezes, como também acontecia com seu antecessor, o doidão atual experimenta sensações fisiológicas e psicológicas desagradáveis. Provocadas não pelas substâncias psicoativas cujos efeitos psicotrópicos desencadeavam a velha e temida “bad trip”. Mas pelos sentidos depreciativos embutidos em palavras dirigidas a eles, que, antes neutras, passaram a fazer parte de um pesado vocabulário que só exprime ódio.  

Em compensação, o novo doidão não corre o risco de ser desalojado, depois da morte, de um dos seus “contra-universos”, na internet, a página que cria no Facebook. Com a expressão “contra-universo” Agripina Encarnación Alvarez Ferreira designa a casa de nossa família, num estudo sobre o filósofo e poeta francês Gaston Bachelard. É neste ambiente que buscamos – diz Agripina – não só abrigo “contra o frio, contra o calor, contra a tempestade, contra a chuva”. Mas, sobretudo, “sonhos de intimidade”. Pois, para permanecer na sua página, depois de morto, basta ao doidão ter o cuidado de atribuir a alguém o trabalho de gerenciá-la. Ou apenas informar, a tempo, o administrador da rede social que deseja mantê-la, quando não estiver entre os vivos. Tomada uma das duas providências, estará garantida sua entrada no Memorial, onde já estão mantidas as contas de alguns de seus amigos que não vivem mais.

Se o doidão dos anos 70, com sua natureza de outsider, desapareceu, como Belchior, em porões da polícia, ou nas lutas guerrilheiras, o doidão de hoje pode ficará, se quiser, sempre visível, na condição de um novo tipo de ser humano, gerado nos avanços da tecnologia.

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