Faculdades privadas se mobilizam no Congresso para fazer alterações na Medida Provisória que cria para 2018 o novo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). O texto desagradou às empresas de educação, que querem que o governo se comprometa com uma parte maior do financiamento, entre outros pontos. A MP já recebeu 278 propostas de emendas, 42 delas sugeridas e apoiadas pela Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), uma das principais entidades do setor.
As empresas de educação se queixam, por exemplo, de um trecho da MP que diz respeito ao fundo responsável por cobrir a inadimplência do Fies. De acordo com as regras anunciadas, o fundo será capaz de cobrir uma taxa de inadimplência de até 25% dos contratos, com limitação de aporte de R$ 2 bilhões.
Caso a inadimplência consuma os recursos do fundo garantidor no futuro, o programa inteiro estaria ameaçado de extinção, segundo as entidades. Uma das emendas apoiadas pelo setor, do senador José Pimentel (PT-CE), suprime justamente essa limitação de aportes. Para Sólon Caldas, diretor da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), mudanças do fundo garantidor podem impedir que faculdades menores ofereçam vagas.
A questão da alta inadimplência é uma das que mais preocupam o governo. Em fevereiro, por exemplo, a inadimplência medida por atrasos acima de 360 dias no Fies era de 16,4%, segundo o Tesouro Nacional. Ainda há, no entanto, uma parcela relevante de contratos que não atingiu a fase de amortização porque os alunos não concluíram o curso. Assim, avalia-se que é possível que essa taxa de inadimplência suba.
Formada em 2015 em Recursos Humanos em uma faculdade particular de São José dos Campos, no interior paulista, a assistente administrativa Amanda Rocha Silva, de 27 anos, obteve um financiamento de 75% do valor da mensalidade e começou a pagar as parcelas, de R$ 100, em julho deste ano. Apesar de estar conseguindo quitá-las, Amanda se preocupa com uma dívida tão longa. “Estou sempre preocupada em me organizar e com receio de ser mandada embora porque minha dívida vai até 2024.”
Sustentável
Com o novo programa, a expectativa do governo é justamente reduzir os gastos e tornar o programa sustentável. “Enquanto mais de 1 milhão de novas matrículas (não financiadas) foram realizadas na rede privada entre 2009 e 2015, o Fies concedeu, no mesmo período, mais que o dobro de novos financiamentos, alcançando 2,2 milhões de estudantes. Assim, boa parte dos contratos foi celebrada com estudantes que já cursavam, ou já cursariam, o ensino superior”, destaca Nota Técnica preparada para análise do tema pelo Legislativo. O saldo devedor dos financiamentos que compõem a carteira atual alcançou, em abril, o volume total de R$ 74 bilhões.
Hoje, há 2,6 milhões de contratos ativos. Conforme anunciado há um mês, o novo Fies terá 310 mil vagas em três modalidades, sendo 100 mil com juro zero para os alunos e correção apenas pela inflação.
Outra questão é o aporte maior das universidades privadas. Hoje, essas instituições destinam 6,5% do valor das mensalidades para o fundo e com as novas regras esse patamar ficará entre 13% e 20%.
Rodrigo Capelato, diretor executivo do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), criticou. “Aumentar o porcentual é bom para quem tem uma inadimplência alta, mas é muito injusto para aquelas que trabalham com cuidado para evitar o problema.”
Nas emendas, contesta-se também um antigo ponto de divergência entre empresas e governo: o de que caberia às universidades pagar a tarifa de 2% sobre as mensalidades financiadas, que é a remuneração aos agentes financeiros (Caixa e Banco do Brasil). As empresas passaram a arcar com essa parcela em 2016. Recentemente, o ministro da Educação, Mendonça Filho, afirmou que o novo Fies economizará aos cofres públicos cerca de R$ 300 milhões ao ano somente em taxas bancárias.
Modelo mais restritivo
As novas regras consolidam um modelo que passou a ser mais restritivo na concessão do crédito desde 2015, em meio ao aperto das contas públicas. O anúncio, no entanto, frustrou o lobby das empresas para criar um modelo de financiamento que pudesse ampliar o crédito. Segundo as fontes do setor, o governo descartou a ideia de apostar em um crédito privado subsidiado por meio de Letras de Crédito da Educação, semelhante ao que se criou para o segmento imobiliário e o agronegócio. A avaliação foi de que o subsídio criaria um impacto fiscal indesejado.
O senador Cristovam Buarque (PPS), que integra a comissão do Congresso que analisará a MP, destacou que as mudanças feitas pelo governo garantem maior sustentabilidade ao programa, mas há espaço para aprimoramentos. Buarque propôs sete emendas ao texto, uma delas ampliando a carência mínima para o início do pagamento para três anos após o fim do curso em áreas prioritárias.
Reajuste questionado
Sólon Caldas, da Abmes, defende a aprovação de uma emenda que altere a forma do reajuste das mensalidades. Na proposta do governo, as instituições já teriam de definir na assinatura do contrato do financiamento a previsão do reajuste das mensalidades. “Não é possível, isso não depende apenas da inflação, mas também dos investimentos que a faculdade faz ou não no curso.”
Outra emenda, apoiada pelo Semesp, permite aos estudantes utilizar o FGTS para pagar o financiamento. As associações ainda levantam dúvidas quanto às faixas de renda para seleção de candidatos e quanto à configuração do novo comitê gestor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.