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Ferzan Ozpetek e a atração pelos corpos desnudos

Em dezembro de 2010, Ferzan Ozpetek concordou em dar entrevista à reportagem – em pleno Natal! – falando de seu filme O Primeiro Que Disse, sobre um homem, Riccardo Scamarcio, que toma coragem para sair do armário, anunciando à família que é gay, mas o irmão se antecipa e, no mesmo jantar, faz o mesmo comunicado, dessa forma implodindo o grupo familiar. Scamacario volta para o armário. Ozpetek foi muito simpático, mas, de repente, do outro lado da linha em Istambul, foi uma gritaria. O que foi? “Estão chegando Riccardo e sua mulher, Valeria (Golino), que vêm passar o Natal com a gente.”

Ozpetek está em São Paulo, com dupla função – veio apresentar seu novo filme, O Segredo de Nápoles (domingo, 28, Cinesesc, 16 h), e participar do júri da Mostra. O cineasta turco-italiano conversa com o jornal O Estado de S. Paulo, agora presencialmente. Lembra-se do telefonema, há oito anos. Viaja nas lembranças. “São muito queridos (Valeria e Scamarcio). E Natal é uma festa de família. No cinema, é bom quando todo mundo briga, mas aquele foi um Natal de muito afeto.” Sobre O Segredo de Nápoles, ele conta que além da direção de filmes, dirige também óperas, escreve romances. Há alguns anos estava em Nápoles para dirigir uma ópera no teatro San Carlos. “Fiz agora uma Traviata e faço em março (do ano que vem) uma M. Butterfly.”

E ele prossegue contando – “O público de ópera é muito específico. Muita gente rica que te convida para jantar toda noite naqueles palácios. Uma noite, fiquei conversando com uma mulher belíssima, e muito interessante. De repente, ela disse que tinha de ir embora porque, pela manhã, tinha um encontro com um cadáver. Como? Era legista. Tive um choque. Sua beleza e delicadeza não pareciam combinar com o que fazia. Aquilo ficou comigo e comecei a pensar num roteiro de filme. Um thriller criminal, uma mulher com a mente perturbada, perseguida pelo passado. Foi assim que cheguei aos temas de O Segredo de Nápoles – o útero , o olho.”

Desde o princípio, seu desejo sempre foi fugir da representação tradicional de Nápoles no cinema – paisagens de cartão postal, a violência da Gomorra, etc. “Busquei um outro viés, e minha diretora de arte, uma turca maravilhosa entendeu perfeitamente o que queria. Foi ela quem encontrou aquele escada, cujo vão, visto de cima, se assemelha ao olho, ao útero.” Lembra também Alfred Hitchcock – Vertigo/Um Corpo Que Cai, o clássico de 1958, com James Stewart e Kim Novak. “Não, por favor. É um dos maiores filmes já feitos, se tentasse imitá-lo ficaria travado.” O repórter aproveita para perguntar se ele viu o mais recente filme, também um thriller, de François Ozon. O Amante Duplo tem útero, olho e gêmeos.

Ozpetek pula da cadeira. “Não vi, mas um amigo também me disse que eram filmes gêmeos. Pelo que vocês me contam, acho que meu grande diferencial é o mundo invisível, com essa ideia de Nápoles velada, como a escultura do Cristo na igreja. Não sei se é mito, mas acho impressionante a história que conto no filme, segundo a qual arrancaram os olhos do escultor para que ele não pudesse repetir sua criação.” Nápoles coberta por véus – “Todo mundo me pergunta pelo final, você não vai perguntar? Filmei três, mas optei por esse. (Olha o spoiler) O ruído dos passos que se afastam, o mundo paralelo que não vemos.”

Como todo Ozpetek, O Segredo de Nápoles tem belas, e envolventes, cenas de sexo. Independentemente de gênero – homens com homens, homens com mulheres, mulheres com mulheres -, ele gosta de corpos. “Nunca penso muito nessa questão, mas é isso.” Deplora o conservadorismo – o retrocesso – que está tomando conta do mundo. “O que está ocorrendo com nossos países?” Conta que seu filme talvez mais libertário, Um Amor Quase Perfeito, de 2001 – Margherita Buy descobre que o marido que morreu tinha um amante (Stefano Accorsi) e tem um affair com ele -. está sendo objeto de um revival, de um culto na Itália. “Foi restaurado em 4K, está lindo. Eram outros tempos, mais respeitosos com a diversidade.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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