Ao lembrar de La Côte Saint-André, no sul da França, sua terra natal, o compositor Hector Berlioz falava do “silêncio de sonhadora majestade, aumentada pelo cinturão de montanhas que a limita ao sul a leste”. Na terça-feira, porém, a noite da pequena cidade medieval de quatro mil habitantes terminou em samba após o concerto da Orquestra Jovem do Estado de São Paulo, que fez o público dançar no palco do festival que, anualmente, celebra a memória e a música do autor.
A terça começou com um pequeno imprevisto: pela manhã, a chuva deu as caras e fez com que precisasse ser cancelado o ensaio no palco montado no pátio do Château Louis XI, prédio do século 13 que observa, do alto, a cidade. Chance de conversar com alguns músicos. Lina, Camila, Eder, Samuel, Danilo, Rodrigo, Barbara, Michelle, Gessica. Todos do naipe de violas da orquestra, de 18 a 26 anos. Para Camila e Barbara, é a primeira visita à Europa – os demais estiveram por aqui com a orquestra no ano passado, quando o grupo fez uma viagem pela Alemanha.
Depois do movimento de Amsterdã, cidade onde a orquestra iniciou a sua turnê europeia, eles estranharam a tranquilidade de La Côte Saint-André. Tocando na rua, dois deles foram convidados a entrar por moradores. Outros chamam atenção para o fato de que tocar Berlioz na cidade do compositor é uma responsabilidade – assim como apresentar obras de dois autores brasileiros, Villa-Lobos e Guarnieri. Todos entendem a música como um caminho sem volta – uma descoberta da juventude que os vai acompanhar para sempre. E falam na viagem como uma experiência marcante.
Experiência que, como explica Paulo Zuben, diretor artístico e pedagógico da Santa Marcelina Cultura, vai além da simples prática orquestral. A sinfônica é o ponto mais visível de um projeto de educação musical que inclui a Escola de Música do Estado e o Guri Santa Marcelina. O objetivo, diz, é integrar cada vez mais as etapas do processo, da iniciação musical ao ingresso na orquestra – mas sem que ela seja entendida como um “ponto de chegada”. “Temos o péssimo hábito de entender a orquestra como o foco único do músico. E é por isso que uma viagem como essa é importante. Ao ter contato com artistas e professores de outros países, os músicos entendem que há um mundo muito maior aqui fora. Estar na orquestra não é um fim, mas, sim, uma janela que se abre para outras possibilidades e caminhos mais ambiciosos”, afirma ainda Zuben.
No concerto de terça-feira, o grupo não teve um programa fácil pela frente. A Abertura Concertante, de Camargo Guarnieri, e a Bachiana Brasileira n.º 7, de Villa-Lobos, estão repletas de armadilhas rítmicas e exigem tanto virtuosismo individual como enorme senso de conjunto – características ainda mais necessárias na Sinfonia Fantástica de Berlioz.
Os músicos, porém, estiveram à altura do desafio, regidos com segurança pelo maestro Cláudio Cruz, com notável senso arquitetônico na construção da interpretação. Ao final, longos aplausos de pé. E, de brinde, Garota de Ipanema e Aquarela do Brasil, acompanhados pelas palmas da plateia. Na saída, em clima de festa, uma roda de choro pôs fim à “soirée bresiliénne” do Festival Berlioz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.