A tarefa não é das mais fáceis: programar, anualmente, um festival em torno do compositor Hector Berlioz e, a cada edição, fugir do perigo de se tornar repetitivo. Mas é justamente isso que tem feito o etnomusicólogo Bruno Messina, diretor artístico do Festival Berlioz, com uma boa dose de imaginação.
Este ano, por exemplo, ele relaciona a trajetória do compositor com a época em que viveu. Rechaça a ideia do autor romântico e estabelece sua relação com dois novos mundos: de um lado, o continente americano; de outro, a novidade trazida pelas revoluções industriais.
O trajeto proposto é fascinante. Berlioz certa vez comparou Beethoven com Cristóvão Colombo, descobridor de um novo continente musical. No palco, então, a Orchestra des Siècles recupera a sinfonia Cristophe Colomb, de Félicién David, amigo de Berlioz; e o pianista François Frédéric Guy interpreta, com Xavier Phillips, a integral das sonatas para violoncelo de Beethoven.
A lembrança do continente americano, por sua vez, serve de pretexto à execução de Des Canyon aux Etóiles, em que Messiaen descreve o oeste dos EUA, assim como, em um universo musical totalmente diferente, Dvorak fez com a Sinfonia Novo Mundo, tocada aqui pela Sinfônica Nacional de Lyon. Já a mecanização é tratada por Buster Keaton em A Locomotiva General, longa exibido no festival, com trilha escrita pelo compositor François Narboni executada ao vivo.
Há outros exemplos e o festival terá ainda esta semana nomes estelares como John Eliot Gardiner, Leonard Slatkin e os irmãos Gautier e Renaud Capuçon. Mas, em geral, o mais interessante da programação é o modo como embaralha as épocas. Dos barrocos aos contemporâneos, há música para todos os gostos, estabelecendo diálogos entre autores e épocas, mostrando que a experiência musical depende tanto da reinterpretação do grande repertório quanto da busca por novos territórios estéticos. Sem concessões.