A caminho de Tóquio, onde disputaria sua terceira Olimpíada, o tenista Bruno Soares sentiu um incômodo muito forte. No segundo voo com destino ao Japão, a dor ficou insuportável. Quando chegou à Vila Olímpica, veio a notícia indesejada: o brasileiro fora diagnosticado com apendicite e não pôde disputar os Jogos Olímpicos. Entre lesões e outras dificuldades, o drama que passou às vésperas do que seria sua estreia em Tóquio foi a maior intempérie que viveu nesta acidentada temporada. Mas a experiência, maturidade e o filho Noah, de seis anos, ajudaram Soares a superar os tormentos e alcançar a redenção.
"A experiência e maturidade fazem com que eu aguente melhor essas porradas. No final das contas, o mais importante é a saúde", diz o tenista de 39 anos ao <b>Estadão</b>. Depois de se recuperar da cirurgia para retirar o apêndice, ele pensou em não entrar mais em quadra em 2021 a fim de fazer uma pré-temporada mais longa. Mudou de ideia e a decisão se revelou a mais acertada dias depois. Apesar de ter tido apenas 10 dias para treinos antes do US Open, o brasileiro protagonizou uma campanha notável ao lado do britânico Jamie Murray e alcançou a final do Grand Slam. Os dois perderam a decisão para o americano Rajeev Ram e o britânico Joe Salisbury e ficaram com o vice.
"Quando a gente chega lá para jogar, a expectativa estava lá embaixo. Estava jogando em um nível mediano, o que era normal, porque estava há um mês sem tocar na raquete, sem ritmo. Por isso não havia uma expectativa grande no início", relata o duplista. Em sua visão, a pressão aumentou à medida que os dois iam avançando de fase. "A trajetória acidentada tira um pouco do peso, mas a pressão vem depois porque sabemos da nossa força".
Os dias em Nova York foram especiais também porque Soares viveu aquela experiência ao lado do filho, Noah. Sem saber, o menino se tornou combustível para o pai alcançar a decisão do torneio no qual ostenta quatro troféus – dois de duplas masculinas e dois nas mistas. "Eu dou crédito a tudo que aconteceu lá a ele. Alguns percalços no caminho atrapalharam, mas ele ajudava. Meu treinador me disse: olha pro Noah e vai na energia dele. Eu sou muito do astral, do momento, e aí criou-se o Noah vibes", conta. "Me deu muita força porque na quadra eu olhava e ele estava jogando a raquete, nem aí para nada. É a pureza da criança. Ele virou a atração do lugar, o xodó do torneio", afirma.
Dono de seis títulos de Grand Slam e atualmente 13º colocado do ranking de duplas da ATP, Soares forma com Murray a oitava melhor parceria do mundo. Estão, portanto, na zona de classificação para a disputa do ATP Finals, a ser realizado em novembro, em Turim, na Itália. Ele alcançou seu melhor ranking em 2016, quando foi segundo melhor duplista do mundo. Encerrou aquela temporada e a de 2020 como integrante da dupla número um do mundo.
O brasileiro tem 39 anos e joga a sua 21ª temporada como tenista profissional. Em mais de duas décadas, acumulou algumas frustrações, mas muito mais conquistas, ele diz. O experiente duplista ainda não pensa em se aposentar. Entende que o tênis pode lhe dar mais alegrias. Disputar os Jogos de Paris, em 2024, está nos seus planos, embora saiba que é difícil.
"Curto muito o processo de competir ainda. O corpo pifou um pouco mais nesse ano, com lesões, apendicite, fratura por estresse na costela, mas se o corpo deixar eu vou indo. Acho que estou muito bem", garante. "Quero continuar conquistando. Conquistei muito mais do que esperava, do que sonhei. Será que consigo chegar à Paris-2024? É um objetivo", acrescenta o mineiro, esperançoso em competir na França aos 42 anos.
Fora das quadras, Soares, segundo sua definição, é "produtivo, organizado, inquieto". Essa inquietude o fez montar uma empresa de investimentos em 2015 e se tornar sócio, desde 2019, dentre outros negócios, da Oakberry Açaí Bows, empresa brasileira de açaí com mais de 350 unidades espalhadas em 15 países. A marca também tem o ex-piloto de Fórmula 1 Felipe Massa como sócio. "Estou em um segmento pelo qual sou apaixonado. Pra mim, soma demais no aprendizado e no dia a dia. Posso trazer muita coisa que aprendi no tênis para o dia a dia da empresa também. Tem sido uma troca muito bacana", observa o tenista e empresário.
"Nossa vida de tenista é maluca porque estamos em lugares diferentes a cada semana, mas nossa rotina diária leva cinco ou seis horas, então sobra tempo para fazer algo produtivo. Não gosto de ficar à toa, olhando para o teto. É questão de organização e fazer seu dia render", completa.
A essa rotina "maluca" dele e dos atletas foram adicionados protocolos sanitários dentro das competições com os quais eles tiveram de se acostumar. Soares faz parte dos tenistas que tomaram as duas doses da vacina contra a covid-19. Enquanto alguns tenistas, como o número 1 Novak Djokovic, levantam desconfiança sobre a eficácia da vacina e adotam postura negacionista, o brasileiro defende a imunização completa para que os jogadores voltem à normalidade, ou algo parecido a ela. "Sou a favor da vacinação. Me vacinei e acho que é a única forma de a gente conseguir retomar a vida e proteger as pessoas dessa doença", opina.