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Filhos de pais superprotetores têm risco de viver menos, sugere estudo

Mulheres que tiveram um pai considerado superprotetor, em uma relação marcada por restrições na autonomia durante a infância e/ou adolescência, apresentam risco 22% maior de morrer mais cedo (antes dos 80 anos), aponta estudo publicado na revista científica <i>Scientific Reports</i>, da Nature. Entre os homens, esse risco é 12% maior.

Cientistas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da University College London (Reino Unido) analisaram uma amostra de 941 indivíduos (445 mulheres e 496 homens), que participaram do Estudo Longitudinal de Saúde da Inglaterra (Elsa) – painel em andamento que envolve uma amostra representativa de indivíduos com 50 anos ou mais residentes no país – e morreram entre 2006 e 2018. As entrevistas de acompanhamento foram feitas a cada dois anos e os exames de saúde, a cada quatro. Entre outras questões, o participante respondeu sobre eventos adversos na infância ou adolescência.

Embora a superproteção paterna tenha impactado mais negativamente a longevidade feminina, os pesquisadores destacam que são os homens os mais impactados negativamente pelos eventos adversos nos primeiros anos de vida.

<b>Quem são pais superprotetores?</b>

Para definir quais eram as famílias superprotetores, o Parental Bonding Instrument, um modelo de questionário composto por questões sobre percepção de proteção e cuidado dos pais recebidos na infância/adolescência, foi utilizado. Os pacientes são perguntados, por exemplo, se sentiam-se acolhidos pelos genitores em momentos de incerteza, se sentiam ter autonomia para tarefas do dia a dia e se eram incentivados a tomar suas próprias decisões.

O pai superprotetor, segundo Aline Fernanda de Souza, pesquisadora da UFSCar e autora principal do artigo, é aquele que "não dá nenhuma autonomia pra a criança ou adolescente". Ela adverte, porém, que não se deve confundir autonomia com permissividade. "Quando falamos da autonomia é saber dosar de acordo com a faixa etária dessa criança."

As hipóteses para explicar essa influência negativa do pai superprotetor eles buscaram na psicologia, contou Aline ao <b>Estadão</b>. "O pai, por si só, já tem essa figura mais autoritária. É uma coisa cultural nossa. É uma figura mais distante quando comparado à mãe", afirmou.

"Essa figura mais autoritária pode vir a enfraquecer esse laço tanto com as filhas como com os filhos. O enfraquecimento desse laço pode vir a desencadear, no futuro, o que chamamos de hábitos não saudáveis. Essa pessoa está mais propensa a uma vida mais sedentária, ao tabagismo, ao etilismo (consumo abusivo de álcool), além também de vir a poder desenvolver repercussões psicológicas, que podem causar a mortalidade mais cedo", explicou.

"O que acontece na infância e na adolescência tem reflexo no fim da vida, sobre o quanto ela será longínqua", disse Tiago Silva Alexandre, professor de Gerontologia da e coordenador da pesquisa. "Um investimento nas crianças é uma forma de garantir uma velhice melhor." O estudo teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

<b>Pai e mãe solo</b>

Embora a superproteção parental tenha sido o único fator de risco para mortalidade precoce (antes dos 80) comum entre homens e mulheres, os pesquisadores também encontraram associações de outras questões de configuração e/ou relação familiar à morte precoce quando analisados cada gênero separadamente.

Para homens, ter vivido apenas com um dos pais aumentou o risco de morte antes dos 80 anos em 279%. De acordo com Alexandre, esse foi o fator de risco que mais reduziu a longevidade entre os homens, com uma associação "robusta" com a mortalidade precoce. Entre as mulheres, o fator não foi associado a maior risco de morte.

Os pesquisadores explicam que, para essa última descoberta, "a ausência de um dos pais implica em maior dificuldade socioeconômica e menor suporte emocional durante a infância ou adolescência". E, diferentemente das mulheres, os homens "têm maior dificuldade em buscar apoio em situações adversas".

"A mulher está mais acostumada a ter uma rede de apoio maior, quando comparada ao homem. O que vimos é que, quando havia a falta de um dos membros, a mulher tem mais facilidade de buscar essa rede de apoio, seja numa prima, numa amiga, numa irmã, enquanto o homem é mais introvertido", explicou Aline.

Entre as mulheres, conviver com um pai mais presente (que trabalha menos horas por dia) diminuiu o risco de morte precoce em 42%. Nesse mesmo ponto, ter mais cuidados da mãe reduziu esse risco em 14%. Sobre essa última descoberta, eles explicam que isso pode acontecer porque, no passado, as mulheres demoravam mais a sair de casa do que os homens, convivendo mais tempo, assim, com o cuidado materno.

<b>Retrato de um tempo</b>

Considerando que a amostra é composta por adultos que tinham 50 anos no início dos anos de 2000, isso significa que, segundo com os pesquisadores, os participantes incluídos na análise nasceram nas décadas de 1950 e de 1960, e são, de certa forma, retrato de uma época. Os cientistas destacam que, caso pesquisa semelhante fosse feita com a geração atual no futuro, os resultados poderiam ser diferentes, mas não distantes do que aferiram.

Os pesquisadores apontam também que, assim como vários pontes fortes – a exemplo do uso de uma amostra nacional representativa -, a análise apresenta limitações. As associações que encontraram, entre eventos adversos na infância ou adolescência e morte prematura, podem estar subestimadas, pois indivíduos que não responderam ao questionário de história de vida podem não o ter feito por problema de memória ou trauma que não quiseram mencionar. Também há influência, claro, de integrantes daquele grupo etários que morreram antes dos 50 anos.

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