Foi uma apoteose, como se a Sapucaí tivesse se transferido para o Teatro Municipal. A própria Ilda Santiago, diretora artística do festival, foi agradecer ao teatro – e a Carla Camurati – a cessão do espaço para a gala de Trinta, o longa de Paulo Machline que faz um recorte decisivo da vida de João Jorge, o Joãosinho Trinta. O garoto que deixou o Maranhão para integrar o corpo de bailarinos do Teatro Municipal e virou carnavalesco teve de enfrentar – e vencer – preconceitos da família e no barracão do Salgueiro. Em toda parte era o frutinha, alvo de zombaria. Mas era um gênio e, com muito empenho (e pesquisa), revolucionou os desfiles carnavalescos.
O filme narra justamente esse momento em que João vira Joãosinho e prepara seu primeiro desfile. Tudo conspira contra, mas, maior que o desprezo pelo frutinha, é o amor pela escola e todo mundo cerra fileiras em torno da visão de João, que casa lendas do Maranhão com o rei-menino da França. Como se cria um enredo? Um samba? Como se faz do lixo o luxo? Paulo Machline tem o desejo nada secreto de filmar as três grandes preferências dos brasileiros. Já fez seu curta sobre futebol, o longa sobre carnaval e agora vai se empenhar para concretizar o outro longa, sobre as novelas. Machline fez 1001 agradecimentos. Poderia tê-los concentrado num só – a seu ator.
Matheus Nachtergaele não cessa de surpreender. Numa cena, acuado dentro do barracão, Joãosinho tem um piti. “Querem Exu, pois vou lhes dar um Exu.” E cai matando sobre todo mundo, despejando mais palavrões que você já ouviu ou ouvirá na vida. O pavilhão cala-se, em choque. Começa a virada de João Jorge para virar Joãosinho. No palco do Municipal, Matheus confessou que estava nervoso. “Em São Paulo, quando a gente fica assim e irrita os outros, as pessoas mandam pentear macacos. Não tenho macaco, mas tenho dez cachorros na minha casa do Rio. Peguei uma escova e penteei os dez.” O público veio abaixo.
Todo festival termina por produzir/selecionar suas obras cults. Nenhum outro filme teve tanta procura nem as sessões lotaram tanto aqui quanto Garota Exemplar, de David Fincher, que estreou ontem nos cinemas brasileiros. O outro cult está sendo Cavalo Dinheiro, o novo longa do português Pedro Costa. Virou sensação internacional desde que venceu o prêmio de direção em Locarno. Já passou por Toronto, agora o Rio e na próxima semana estará em Nova York. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.