Um dia após mais um atentado terrorista na França, o físico Adlène Hicheur, de 39 anos, nascido na Argélia e naturalizado francês, foi deportado do Brasil, onde morava havia três anos. O físico já esteve preso na França, após ser condenado a cinco anos de prisão sob a acusação de planejar atentados terroristas. Após cruir dois anos de cadeia, obteve liberdade provisória e se mudou para o Rio, onde se tornou professor visitante do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Em janeiro deste ano a revista “Época” divulgou que a Polícia Federal monitorava Hicheur em função de suas supostas atividades terroristas – o físico sempre negou praticá-las. Na época ele chegou a pedir desligamento da UFRJ e cogitou voltar para a Europa, mas foi convencido por colegas a permanecer no Brasil como pesquisador – ele deixou de dar aulas. Seu contrato com a UFRJ terminaria em julho, mas a universidade decidiu renová-lo por mais um ano. Por isso, encaminhou aos órgãos federais a documentação necessária para a renovação do visto. Nesta sexta-feira (15), no entanto, foi publicada no Diário Oficial da União uma decisão do Ministério da Justiça negando o pedido de renovação, sem exposição de justificativas – isso não é exigido por lei.
Segundo o pesquisador Ignacio Bediaga, que trabalha no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e foi responsável pelo convite ao físico para que viesse trabalhar no Brasil, Hicheur estava em sua casa, na Tijuca (zona norte do Rio), na manhã desta sexta-feira, apresentando por videoconferência (pelo computador) para colegas do Centro Europeu para Física de Partículas uma pesquisa que desenvolveu na UFRJ quando agentes da Polícia Federal chegaram e avisaram que Hicheur seria imediatamente deportado. Os policiais aguardaram o fim da apresentação e a organização da bagagem do físico, que no início da tarde foi levado ao aeroporto do Galeão, na Ilha do Governador (zona norte).
Segundo a UFRJ, a vice-reitora da instituição, Denise Nascimento, esteve no aeroporto para tentar impedir a deportação, sem sucesso. O voo levando Hicheur partiria às 22h25 para Lisboa – dali, segundo Bediaga, ele seria encaminhado para a França.
A UFRJ divulgou nota em que repudia a “sumária deportação” de Hicheur: “A Reitoria da UFRJ foi surpreendida (…) com a notícia da sumária deportação do professor visitante Adlene Hicheur. Manifestamos extrema preocupação com a ação, anunciada sem apresentação de justificativas claras e atenção a princípios democráticos básicos, como direito à defesa”, acusa a instituição de ensino. “O pedido de renovação de contrato do professor foi analisado pelos vários colegiados da UFRJ e aprovado. O professor desenvolveu na UFRJ novas linhas de pesquisa, assim como deu continuidade a trabalhos já em andamento quando da sua contratação”, conclui a nota.
Bediaga também criticou a deportação: “Ele é um pesquisador muito respeitado, estava desenvolvendo seu trabalho e jamais imaginaria que de repente pudesse acontecer isso. Foi um desrespeito absurdo”, avaliou. “Ele está sendo levado para a França e pode ser preso novamente, sendo que o visto para entrar no Brasil é da Argélia, então, em caso de deportação, teria que ser mandado de volta à Argélia, não à França”
Histórico
Especializado em partículas elementares, Hicheur desenvolvia até 2009 uma carreira acadêmica reconhecida internacionalmente. À época, fazia pós-doutorado na Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, e trabalhava no Centro Europeu para Física de Partículas. Foi quando se afastou para tratamento médico devido a problemas na espinha e no nervo ciático. Na casa dos pais, na França, começou a frequentar um fórum na internet que reúne jihadistas e trocou mensagens com um interlocutor que se identificava como “Phenix Shadow” – segundo a polícia era Mustapha Debchi, apontado pelo governo da França como integrante da organização terrorista Al Qaeda.
O conteúdo dos e-mails foi divulgado pela revista “Época”. Segundo a publicação, Phenix perguntou a Hicheur se ele estaria disposto a cometer um ataque suicida, e o físico negou. Em seguida, Phenix questionou: “Caro irmão, vamos direto ao ponto: você está disposto a trabalhar em uma unidade de ativação na França? Que tipo de ajuda poderíamos te dar para que isso seja feito? Quais são suas sugestões?”
Cinco dias depois, Hicheur respondeu: “Sim, claro” e afirmou que planejava deixar de morar na Europa, mas que poderia rever esse plano. O físico escreveu que ficaria na Europa para “trabalhar no seio da casa do inimigo central e esvaziar o sangue de suas forças” e sugeriu diversos alvos. “Precisamos trabalhar para acelerar a recessão econômica, ou seja, atingir as indústrias vitais do inimigo e as grandes empresas.” Hicheur também mencionou ataques a embaixadas: “Executar assassinatos com objetivos bem estudados: personalidades europeias ou personalidades bem definidas que pertençam aos regimes incrédulos (em embaixadas e consulados, por exemplo).”
As mensagens foram interceptadas pela polícia francesa, que prendeu o físico. Processado, foi condenado a cinco anos de prisão. Detido em 2009, foi libertado em 2012. No início de 2013 foi convidado pelo CBPF, unidade de pesquisa do Ministério da Educação situado na Urca, zona sul do Rio, a participar de um projeto no Brasil. Durante três meses, com bolsa de estudos do CBPF, fez pesquisas e produziu um relatório. Voltou para a Europa, mas a polícia suíça o proibiu de entrar no país até 2018. Por isso, não pode voltar ao local onde trabalhava antes da prisão.
Hicheur foi então convidado a estender a pesquisa no Brasil, auxiliado por bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele teve o currículo aprovado por comissão composta por representantes do Ministério da Educação e do CNPq. Recebeu ajuda mensal de setembro de 2013 a abril de 2015. Em julho de 2014 também se tornou contratado da UFRJ como professor visitante. Esse contrato precisa ser renovado anualmente e pode durar três anos.
Por conta de um episódio ocorrido em 2015 na mesquita que frequenta em Vila Isabel (zona norte do Rio), o físico virou alvo de investigação da Polícia Federal, que chegou a fazer operação de busca e apreensão em sua casa e em seu gabinete na UFRJ. Quando o caso foi revelado, em janeiro deste ano, Hicheur divulgou carta em que afirma ter sido preso na França por conta de “minhas visitas aos chamados websites islâmicos subversivos”. Ele escreveu: “Fui privado da minha liberdade por dois anos apenas com base nisso. Nenhum outro elemento foi apresentado contra mim”. Hicheur disse que “a acusação não sustentou o caso com fatos e evidências” e que “o caso foi fabricado, usando-se partes pinçadas de uma conversa virtual com o objetivo de mostrar que haveria uma tentação de considerar a violência como solução para conflitos internacionais em países árabes e muçulmanos como Iraque ou Afeganistão”. (Fabio Grellet)