Pela segunda vez em sua história, a Festa Literária Internacional de Paraty vai homenagear uma mulher. Referência entre poetas da nova geração, mas não tão conhecida do grande público, Ana Cristina Cesar (1952-1983) foi a escolhida para a edição de 2016 do evento, que será realizado entre 29 de junho e 3 de julho. Antes dela, só Clarice Lispector, em 2005.
Ana Cristina Cesar, Ana Cristina C., Ana C. tinha 24 anos quando teve poemas incluídos na antologia 26 Poetas Hoje, organizada por Heloisa Buarque de Holanda em 1976, e só três anos depois lançou Cenas de Abril, de poesia, e Correspondência Completa, de prosa, em edições de autor. Em 1982, publicou A Teus Pés, obra que abriria a lendária coleção Cantadas Literárias, da Brasiliense, que fez história ao revelar toda uma geração de escritores, como Caio Fernando Abreu, Marcelo Rubens Paiva, Reinaldo Moraes. “Ouvimos falar sobre todos eles, mas não tanto de Ana Cristina. Será a chance de corrigirmos isso”, diz Paulo Werneck, curador da Flip.
Ele conta que desde que assumiu a programação do evento, em 2014, o nome da poeta aparece durante as discussões para a escolha do escritor homenageado. “Olhando retrospectivamente, a poesia ganhou um espaço importante na Flip e só seguimos a direção que já estava sendo apontada”, comentou. Em 2013, as jovens poetas Bruna Beber, Ana Martins Marques e Alice SantAnna encantaram o público – e Rua da Padaria, de Bruna, chegou a ficar entre os mais vendidos durante o evento. Em 2015, a portuguesa Matilde Campilho foi o destaque e seu Jóquei foi o best-seller. Houve outros momentos importantes, e até mesmo a escocesa Jackie Key, sem nenhum poema traduzido antes ou depois da festa, causou comoção.
Leitor da poeta durante a adolescência, Werneck diz que com os preparativos da homenagem terá a chance de redescobrir seus escritos. “É uma obra curta, mas muito densa, com vigor forte e emoção. Seu aspecto confessional tem muito a ver com nossa época – e a escrita de diário, a autoficção também. Ela praticou uma escrita muito pessoal e confessional, aspectos que ganham bastante relevo hoje em dia.” O curador revela que hoje, lendo a obra de poetas brasileiros contemporâneos, vê, em cada página, o traço de Ana Cristina Cesar.
Para homenageá-la, Werneck pediu a bênção a Armando Freitas Filho, amigo pessoal da poeta e nomeado por ela como o guardião de suas caixas e de sua memória. Ana se matou aos 31, em 29 de outubro de 1983. Hoje, ela teria 63.
Armando, Heloisa, Silviano Santiago, Viviana Bosi são alguns dos nomes que devem circular por Paraty em 2016. São próximos de sua obra ou conviveram com ela. Aliás, esta é a segunda vez, também, que um autor mais contemporâneo é escolhido – o primeiro, Millôr Fernandes, até participou da festa. “Fica mais quente, mais próximo. A homenagem será centrada nos anos 1970 e 1980. Antes, ficávamos naquele miolo do século 20, o modernismo amadurecendo no Brasil”, comenta Werneck.
Na esteira da homenagem, como ocorre todos os anos, livros devem ser lançados. Seu acervo está sob os cuidados do Instituto Moreira Salles e sabe-se que há material inédito, como traduções, ensaios, etc., a ser descoberto. Para quem quer se preparar para o festival ou conhecer o seu universo, que reproduz, também, o drama de sua geração e sua angústia existencial, a dica é ler Poética, lançado pela Companhia das Letras em 2013 com todos os livros publicados pela autora, além de alguns rascunhos, e o ensaio de Marcos Siscar sobre ela que integra a coleção Ciranda da Poesia, da Eduerj. Ana também figura no catálogo Poesia Marginal – Palavra e Livro (IMS).
Os homenageados
2015 – Mário de Andrade
2014 – Millôr Fernandes
2013 – Graciliano Ramos
2012 – Carlos Drummond de Andrade
2011 – Oswald de Andrade
2010 – Gilberto Freyre
2009 – Manuel Bandeira
2008 – Machado de Assis
2007 – Nelson Rodrigues
2006 – Jorge Amado
2005 – Clarice Lispector
2004 – Guimarães Rosa
2003 – Vinicius de Moraes