Mundo das Palavras

Fora do script

Dona Renata, viúva de Eduardo Campos, o político pernambucano candidato ao cargo de presidente da República que morreu num acidente de avião, em Santos, reagiu de um modo intrigante ao ser informada daquela tragédia. “Não estava no script”, disse ela. Ninguém conseguiu entender imediatamente este seu comentário.  Que parecia só ganhar sentido se fosse entendido exclusivamente do ângulo de quem via aquele terrível desastre apenas como uma perturbação do planejamento  – portanto, do script – da campanha eleitoral de Eduardo. Mas evidentemente não era o caso de dona Renata, atingida de modo muito amplo po aquela morte, como companheira de Eduardo e mãe de seus filhos. 
 
Depois, no dolorosamente prolongado período de identificação de vítimas de desastres aéreos, começaram a surgir na imprensa informações sobre o estado de espírito de dona Renata. “Ela está forte como uma rocha”, constatou um amigo da família Campos.  Aquela frase, então, começou a ser melhor entendida. Provavelmente manifestou a preocupação da mãe de família com a manutenção de um mínimo de equilíbrio psicológico necessário para amenizar a devastação psicológica que passou a ameaçar seus filhos.
 
De qualquer forma, dona Renata – com sua frase pronunciada num momento tão delicado –  introduziu no espaço do sempre tumultuado cotidiano da imprensa brasileira a ideia da morte como uma intrusa, perturbadora inesperada de uma  narrativa elaborada antes, sem a admissão da presença dela. Mas, a morte poderia ter outro papel na história de cada um de nós?  Quem se detiver na análise da reação de dona Renata inevitavelmente se fará esta indagação. Afinal, se estivéssemos em todos os momentos conscientes de que vamos morrer a vida seria suportável?  Com o peso desta consciência nós não enlouqueceríamos? Há quem acredite que sim.  Nossas ações – julgam alguns teóricos da Filosofia – não buscam nada além de nos entreter para que não sintamos a angústia associada à lembrança de nossa futura extinção.
 
Ainda assim, é inegável que determinadas pessoas, a certa altura de suas existências, preservam a consciência da inevitabilidade de suas mortes. Entre elas, as que fazem testamentos destinando seus bens a quem lhes sobreviverá. Tais documentos são, em geral, produzidos quando a vida de seus autores já avançou bastante. Não era o que ocorria com Eduardo Campo. Ainda no vigor de sua meia idade, ele se empenhava na busca do poder político, a expressão mais contundente da ânsia de fuga das vicissitudes dos mortais comuns. Daí a impressão de que seu script sofreu interrupção abrupta. Não só devido a seu desaparecimento súbito do âmbito sereno e reservado de uma família como aquela que ele comandava. Como por sua exclusão violenta do âmbito da voragem política nacional na qual ele vinha se impondo.      
 

 

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