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Fotógrafo americano é premiado por projeto sobre crise hídrica na Terra

O fotógrafo norte-americano Mustafah Abdulaziz não veio a São Paulo com o propósito de registrar o ocaso do sistema Cantareira, mas a cidade está, sim, na mira do jovem profissional, que acaba de ganhar o prêmio internacional Syngenta de Fotografia justamente com um projeto sobre água – ou o mau uso dela. Abdulaziz, 29 anos, filho de uma psicóloga dinamarquesa com pai caribenho, está presente na mostra coletiva Escassez/Desperdício, que o Centro Cultural São Paulo abre nesta quarta, 24, para o público.

A exposição, no piso térreo do CCSP, reúne70 imagens e vídeos de fotógrafos de 17 países, todos empenhados em retratar o paradoxo que dá título à mostra. Montada originalmente em Londres, na Somerset House, ela destaca o trabalho de Abdulaziz, uma estrela em ascensão, que pretende mapear a crise hídrica em 32 países. Em São Paulo estão oito fotos suas feitas em Serra Leoa, Índia, Paquistão e Etiópia.
Ao lado dele está o alemão Benedikt Partenheimer, que exibe uma impressionante série de fotos da cidade chinesa de Shiziazhuang, tão encoberta pela poluição que mal se consegue distinguir o desenho dos prédios. Vencedor da categoria competição aberta, Partenheimer é seguido pelo segundo e terceiro lugares do prêmio, respectivamente a francesa Camille Michel e Stefano di Luigi.

O dinheiro da segunda edição do prêmio Syngenta (US$ 25 mil) vai permitir que Abdulaziz dê prosseguimento à expedição em busca da água do planeta. Disputando com outros 2 mil fotógrafos de todo o mundo, o vencedor do prêmio na competição oficial, atualmente morando em Berlim, ganhou ainda uma ajuda extra (US$ 15 mil) para continuar a viagem, cuja próxima parada deve ser a Califórnia, onde os recursos hídricos são também insuficientes para atender o mais populoso estado norte-americano.

Trata-se, aliás, de uma crise cíclica, que se arrasta há mais de um século, retratada, inclusive, no clássico filme de Polanski, Chinatown, que mostra como os administradores de Los Angeles desviaram a água de outras cidades para abastecer ilegalmente a população local.

Abdulaziz viu o filme de Polanski e sabe do que os roteiristas de Chinatown estão falando quando colocam na boca do personagem principal, o mau-caráter Noah Cross, a diabólica frase: “A maioria das pessoas tem de encarar o fato que, na hora certa e no lugar certo, todos são capazes de fazer qualquer coisa”. Noah Cross, por exemplo, descobriu que rendia um bom dinheiro desviar – ou melhor, roubar – água de lugares distantes por meio de um desonesto recurso político com ajuda de gente poderosa.

Nem todos têm essa escolha. No primeiro lugar que visitou para seu projeto Água, que tem apoio da ONU e outros organismos internacionais, Abdulaziz viu pessoas tão pobres e doentes que nem energia tinham para ser maquiavélicas como o Noah Cross de Polanski. “Cheguei em Serra Leoa em 2012, em plena epidemia de cólera, que matou centenas de pessoas”, conta. Nas favelas de Freetown, capital e maior cidade de Serra Leoa, a água contaminada e a falta de saneamento básico facilitaram a disseminação da doença, mas não fizeram Abdulaziz recuar. Ele estava empenhado em registrar, a qualquer custo, a tragédia do abandono em que vivem milhões de miseráveis sem água potável.

“Admito que sigo a tradição dos grandes humanistas da fotografia ao fazer essa escolha, mas não diria que se trata exatamente de fotojornalismo”, esclarece. “Meu projeto é mais que isso, é uma tentativa de entender como nossa espécie usa mal o elemento essencial para sua existência no planeta”. A água, em suas fotos, aparece tanto na abundância como na escassez, caso da mulher grávida (de oito meses), que Abdulaziz flagrou descendo uma colina na Etiópia com um tambor de 20 quilos. Numa sociedade patriarcal como a etíope, a função de buscar água pertence às mulheres. A grávida Uchiya Nallo, de 29 anos, gasta metade de seu dia nessa função.

“Na Etiópia, elas vão buscar água no alto da montanha, subindo pela manhã e só voltando quando escurece”, conta. Normalmente, não encontram água limpa e escavam com as mãos o lodo para conseguir encher um ou dois galões. Já em lugares como Serra Leoa, as guerras civis dos anos 1990 deixaram outra herança trágica. “Esses conflitos danificaram a rede de esgoto e todo o lixo da cidade vai parar nas favelas da periferia, facilitando o caminho da malária, do cólera e outras doenças”.

O projeto de mapear a crise hídrica, previsto para terminar em 2020, levou-o a lugares como a Índia, fazendo o fotógrafo refletir sobre as contradições de um país espiritualizado que trata a água como lixo, não poupando sequer o sagrado Ganges – há na mostra imagens de fiéis no rio. “Como diria George Orwell, a Índia tem uma habilidade enorme de comunicar ideias paradoxais”. Abdulaziz tenta traduzi-las em fotos que, ele diz, não são necessariamente belas. “Não busco ângulos especiais nem procuro estetizar a miséria, faço o que meus olhos mandam”, argumenta. Outro lado menos conhecido da obra de Abdulaziz é sua fotografia de moda. Ainda muito novo, ele descobriu Richard Avedon e sempre pensa em Bruce Weber ao cobrir desfiles. A câmera do americano vai do lixo ao luxo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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