Em meio a uma disputa sobre o acesso dos pescadores franceses às águas britânicas após a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit), a França apreendeu nesta quinta-feira, 28, um barco pesqueiro britânico que pescava em suas águas territoriais sem licença na costa do Porto Le Havre, uma medida que o Reino Unido classificou como "desproporcional". Em resposta, o governo britânico anunciou que convocará a embaixadora francesa.
De acordo com Paris, Londres não concedeu aos pescadores franceses quase metade das licenças de pesca a que considera ter direito nas águas britânicas – especialmente em torno das ilhas anglo-normandas, mais perto de França do que do Reino Unido – sob o acordo do Brexit, assinado entre o Reino Unido e a União Europeia.
A ministra do Mar da França, Annick Girardin, fez uma publicação em seu perfil oficial no Twitter explicando que o navio foi redirecionado para o Porto de Le Havre, norte do país, sob escolta da polícia marítima.
Dado o atraso britânico, a França ameaçou com uma série de "represálias" a partir da semana que vem, que podem ir além da disputa marítima. Para Paris, o governo de Boris Johnson parece compreender apenas a "linguagem da força" e Paris está disposta a vencer esta "luta", embora ao mesmo tempo afirme estar "aberta a discussões".
Em resposta à apreensão, um porta-voz do governo britânico disse que "as ameaças da França são decepcionantes e desproporcionais" e não é o que esperam de um aliado. "As ameaças da França não parecem compatíveis com o direito internacional e, se efetivadas, receberão uma resposta adequada", disse o porta-voz, acrescentando que o Reino Unido concedeu 98% dos pedidos de licença para embarcações da UE para pescar em suas águas. "Vamos transmitir nossas preocupações à Comissão Europeia e ao governo francês."
Mais tarde, a chefe da diplomacia britânica, Liz Truss, disse que as ações do governo francês são injustificadas e encarregou sua secretária de Estado para Europa, Wendy Morton, de convocar a embaixadora francesa.
A apreensão veio à tona nesta quinta-feira. Em comunicado, o Ministério de Assuntos Marítimos da França afirmou que um dos seus barcos de patrulha realizou controles em dois navios britânicos na Baía do Sena, em águas francesas, após a decisão de reforçar a fiscalização no Canal da Mancha, no contexto das discussões sobre as licenças com o Reino Unido e a Comissão Europeia.
Um deles foi multado por obstruir as inspeções, inicialmente recusando-se a permitir que os policiais subissem a bordo para conferir a documentação. Os agentes não encontraram nenhuma infração, mas o multaram por essa razão.
No outro navio, os agentes verificaram que ele não constava das listas de licenças acordadas com o Reino Unido pela Comissão Europeia e pela França. Por isso, foi emitida uma ordem imediata de desvio da embarcação para Le Havre, onde ela ainda se encontra nesta quinta-feira, de acordo com a ministra de Assuntos Marítimos, Annick Girardin.
O governo francês destacou que o procedimento pode levar ao confisco da mercadoria do navio, bem como a sua retenção e ao pagamento de multas. "Isto representa consequências econômicas importantes", sublinhou o ministério no comunicado, acrescentando ainda que o capitão pode estar sujeito a "sanções penais".
Depois do comunicado, o secretário de Estado de França para Assuntos Europeus, Clément Beaune, disse que o governo britânico entende apenas "a linguagem da força" nesta disputa. "Os britânicos compreenderam que é necessário voltar à mesa de negociações. Mas se não o fizerem, continuaremos", disse, em declarações ao canal CNews.
Desde quarta-feira, 27, os barcos de pesca do Reino Unido e das Ilhas do Canal não podem descarregar suas capturas nos portos franceses. Mas apenas 5% das exportações de frutos do mar do Reino Unido para a França chegam dessa forma. O restante é transportado por caminhões.
O maior perigo é a intensificação dos controles em Calais e outros pontos de entrada para o comércio do Reino Unido por balsas e túneis. As autoridades francesas conduzirão o que chamam de "grève de zèle" – uma espécie de operação-padrão meticulosa à procura de infrações. A ação deve resultar em filas intermináveis.
A França também alertou que poderia cortar o fornecimento de eletricidade para Jersey, uma dependência da Coroa britânica, como havia ameaçado anteriormente em maio. Eustice disse que as ameaças de sanções feitas pela França são "decepcionantes e desproporcionais" e parecem violar o acordo pós-Brexit e a lei internacional.
As tensões sobre os direitos de pesca vêm crescendo há meses depois que o Reino Unido rejeitou os pedidos de alguns pequenos barcos franceses para continuar pescando em águas britânicas sob o acordo do Brexit. A disputa é sobre o direito de pescar em águas de 6 a 12 milhas náuticas ao largo da costa do Reino Unido, bem como nos mares da Ilha de Jersey, perto da França.
Em maio, o Reino Unido enviou navios de guerra para Jersey depois de um bloqueio feito por pescadores franceses que tiveram a licença para pescar em suas águas negadas.
A França afirma que apenas metade dos elegíveis receberam licenças para continuar a pescar, mesmo depois de ter fornecido dados e documentos de atividades de pesca anteriores por parte desses barcos para apoiar os pedidos. "Não vamos permitir que o Reino Unido se atrapalhe com o Brexit", disse o porta-voz do governo Gabriel Attal, na quarta-feira.
Ele acrescentou que Paris primeiro se dirigiu à Comissão Europeia sobre a questão, conforme previsto no tratado. A comissão e os Estados membros da UE ainda não apoiaram o apelo da França à ação. Bruxelas, que tem examinado evidências de barcos franceses, disse na terça-feira que o Reino Unido aprovou 15 dos 47 pedidos de barcos franceses para operar na zona em questão. Outros 15 poderiam ser licenciados se fornecessem mais evidências, enquanto 17 pedidos foram retirados por causa de "evidências insuficientes".
Apenas 66 dos 170 navios que se inscreveram para pescar ao largo de Jersey receberam licenças, disse a comissão, com outros 35 ainda sendo avaliados e 69 rejeitados.
O Reino Unido disse que este ano 1,7 mil navios da UE foram licenciados para pescar nas águas do Reino Unido e que 98% dos pedidos de licenças de pesca foram concedidos.
Mas a ministra do Mar da França, Annick Girardin, acusou o Reino Unido de "mentir e espalhar desinformação". "O valor de 98% das licenças concedidas pelo Reino Unido aos europeus é falso", disse ela. "Apenas 90,3% eram europeus. Obviamente, os 10% que faltam são franceses." (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)