Os ativistas comemoraram, as farmacêuticas reclamaram e muitos governos reavaliam o que fazer depois que o presidente dos EUA, Joe Biden, declarou apoio à suspensão de patentes de vacinas contra a covid-19 para acelerar a imunização em países pobres. Ontem, França e Rússia seguiram a posição americana e defenderam a medida. O Brasil, que é contra, admitiu que pode mudar de opinião.
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto de Franco França, disse ontem que o governo brasileiro não mudou de posição sobre a quebra de patentes na Organização Mundial do Comércio (OMC), mas não descartou a hipótese.
"Ainda estamos tentando entender a mudança dos EUA sobre a quebra de patentes, mas a posição do Brasil não mudou", disse França, durante audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado. "Não tenho amor a nenhuma dessas posições. Mas nada impede que a posição (do Brasil) de hoje seja atualizada amanhã."
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse ontem ser contra a quebra de patentes. Durante depoimento à CPI da Covid, no Senado, ele disse temer que o Brasil não tenha condições de produzir as vacinas, mesmo com a suspensão dos direitos de propriedade intelectual.
"Como nosso programa está calcado em vacinas, como a da Pfizer e da Janssen, isso pode interferir negativamente no aporte de vacinas para o Programa Nacional de Imunização. Claro que isso é uma opinião inicial. Vi que Biden se manifestou. Isso carece de análise mais detida", afirmou Queiroga.
Em Paris, o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou ser "totalmente a favor" de liberar patentes, mudando a posição francesa, que até então defendia que a medida desencorajaria a inovação e a pesquisa científica. Para Macron, a prioridade deve ser "a doação de doses" e a "produção de vacinas em colaboração com os países mais pobres".
O presidente russo, Vladimir Putin, também disse ser favorável à quebra de patentes. "Estamos ouvindo uma ideia que, em minha opinião, merece atenção: remover completamente as proteções de patentes das vacinas", disse Putin. "A Rússia, é claro, apoia essa abordagem."
O apoio de Biden à suspensão das patentes aumentou a pressão sobre governos europeus. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse ontem que o bloco está "pronto para discutir" a proposta. "No curto prazo, porém, pedimos a todos os países produtores de vacinas que permitam as exportações e evitem medidas que interrompam as cadeias de abastecimento."
O maior obstáculo à medida vem da Alemanha. "A sugestão dos EUA tem implicações significativas para a produção de vacinas como um todo", disse Ulrike Demmer, porta-voz da chanceler Angela Merkel. "Os gargalos são a capacidade de produção e o alto padrão de qualidade, e não as patentes."
Segundo o ministro do Exterior da Alemanha, Heiko Maas, o problema da escassez de vacinas exige uma solução rápida que só será alcançada com o aumento da produção. "A discussão sobre a quebra de patentes deve demorar um tempo. No curto prazo, para as pessoas que esperam uma vacina agora, isso não ajudará. Por isso, devemos continuar priorizando o aumento da produção e a otimização das cadeias de distribuição."
O raciocínio do governo alemão é o mesmo dos laboratórios. De acordo com os fabricantes, as patentes não são um obstáculo para a produção de vacinas. A BioNTech e a alemã Curevac alegam que o problema está na matéria-prima para a produção e pedem o fim das restrições americanas para a exportações de insumos.
"A suspensão das patentes é a resposta mais simples, mas errada para um problema complexo", disse a Federação Internacional de Associações e Fabricantes Farmacêuticos. "A renúncia de patentes não aumentará a produção nem fornecerá soluções práticas necessárias para combater a crise sanitária global."
A indústria também argumenta que a flexibilização reduziria os incentivos que impulsionam as inovações. Mas ONGs, ativistas e organizações internacionais discordam. "A suspensão de patentes pode mudar o jogo para a África, desbloqueando milhões de doses e salvando inúmeras vidas", disse o chefe da OMS para a África, Matshidiso Moeti.
A ONG Médicos Sem Fronteiras também elogiou a ideia. "A MSF aplaude a decisão ousada dos EUA de apoiar a renúncia à propriedade intelectual das vacinas neste período de necessidade sem precedentes", afirmou Avril Benoit, diretora da MSF nos EUA. (Com agências internacionais)