França, Brasil e Caribe se encontram na 23ª edição do Percpan

Era um sonho dentro de outro sonho da socióloga e produtora baiana Beth Cayres. Depois de consagrar um dos festivais mais portentosos do País, o Percpan, tendo como matriz a percussão ao redor do mundo, Beth queria uma edição emblemática, que unisse músicos do Brasil e da França em apresentações feitas em praças abertas nos dois países. Mas uma doença rara e de causa desconhecida, a sarcoidose, a abateu em dezembro de 2018 e a levou quatro meses depois. Virou motivo de honra para seu filho, Igor Cayres, levar adiante a idealização de Beth e não deixar o festival parar mesmo em um ano de pandemia. Não será exatamente como Beth pensou, com multidões à frente dos palcos, mas, a se basear pela programação, terá o sabor das descobertas, dos cruzamentos e da pulsação que Beth conseguiu imprimir como uma marca por 22 anos.

A 23ª edição será neste final de semana e, conforme impõem os tempos, toda feita online. Além da produção de Igor, a curadoria e a direção musical será de Alê Siqueira, produtor de nomes como Marisa Monte, Tom Zé, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes. Seu envolvimento com o festival vem de longos tempos, quando os ritmos não tinham criado tantos pontos de intersecção entre as culturas.

Assim, a programação franco-brasileira do Percpan 2020 é, apesar de mais curta, ainda intensa. Nesta sexta, dia 4, às 14h, o percussionista cubano Pedro Bandera ministra um workshop. Pedro é uma das poucas autoridades dos ritmos afro-cubanos no Brasil. Chegou ao Brasil anos depois de formar-se em música em Havana, estudou percussão afro-brasileira na Universidade Federal da Bahia e criou grupos essenciais como o Batanga e Cia. Atua também como integrante do grupo Aláfia.

O sábado será do octeto francês Cotonete, a partir das 19h. Eles são definidos desde o surgimento como um grupo de jazz-funk, mas também isso parece redutor. Há muito groove de disco music dos anos 70 ali, com sessões de baixo e bateria fincados no chão e nenhum jazz. Sua ligação com a música brasileira vem com trabalhos em que aparecem como colaboradores. Em 2017, fizeram um álbum com a cantora Simone Mazzer e, em 2018, gravaram Atemporal, com o soulman brasileiro dos anos 70 Di Melo. A.E.I.O.U acabou virando um hit de pista pela Europa. A cantora Amanda Roldan é brasileira, vive em Paris desde 2013 e trabalha com o grupo desde 2016.

A série fecha no domingo, dia 6, às 19h30, com um show da banda paulista Aláfia, que recebe como convidado o percussionista Boris Reine-Adelaide. O Aláfia tem um álbum ainda quente, Liturgia Samba Soul, e, ainda mais do que as fusões euroafro do Cotonete, ele traz mais informações percussivas. Samba e soul, mas também percussões de terreiro (Abre Caminho), neojazz (1800 Noites) e rock (Faca Fake). Um desafio em cada faixa parece ser a busca por um equilíbrio de forma que não se crie um congestionamento de matrizes. Além de sopros, percussão, guitarras, baixo, há ainda coro e voz principal.

Um bom sinal de caminho contemporâneo desenvolvido a partir da tradição é de Boris Reine-Adélaide. Ele traz dois tambores do Caribe, bèlè e ka, mas parte para uma sonoridade eletrônica sampleada, atuando muitas vezes como DJ.

"Eu tenho a tendência de escolher atrações mais difíceis, mas a Beth sempre me dizia: Alê, tem que ser para cima, tem que ser animado", diz Alê Siqueira. Sua experiência à frente do festival e como produtor o faz ver a percussão de hoje com mais pontos de intersecção, menos regionalizada. "Por exemplo, o rap. Por meio da vertente do trap, ele tem usado muito das síncopes africanas. Uma série de tercinas que vêm da África." Os ritmos afro tomam também um posicionamento social importante. "A primeira onda foi com o jazz e a segunda se deu com o hip-hop. Uma onda que ainda precisa se consolidar", diz Alê.

<b>PROGRAMAÇÃO</b>

Pedro Bandera (Cuba)
Hoje, às 14h, Pedro, uma autoridade na percussão afro-cubana, fala das similaridades entre os ritmos e dos cruzamentos
possíveis entre África, Cuba e Brasil

Cotonete (França)
O octeto francês faz seu euro-funk neste sábado, às 19h, com participação de Amanda Roldan. O grupo segue uma matriz
percussiva urbanizada, criando uma sonoridade de pista dos anos 70, pré-digital

Aláfia (Brasil) e Boris Reine-Adelaide (Martinica)
O encerramento, no domingo, às 19h30, será com o encontro do grupo Aláfia, uma larga reunião de ritmos africanos que passam pelo samba, pontos de terreiro e soul brasileiro. A seu lado estará o percussionista Reine-Adelaide, que também é DJ

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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