Depois de um início de mandato marcado pelo dinamismo nas reformas, o presidente da França, Emmanuel Macron, enfrenta a primeira onda de greves contra seu governo. A mais importante paralisação começou nesta noite, organizada pelos sindicatos dos ferroviários, uma categoria que tem o poder de paralisar parcialmente o país. Contrária à reforma do “Estatuto do Ferroviário”, uma série de normas que lhes garante um regime especial de aposentadoria, a categoria fará dois dias de greve por semana durante três meses.
Essa paralisação teve início com o encerramento do feriado prolongado de Páscoa na França. Um total de 77% dos maquinistas da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro Franceses (SNCF, na sigla em francês) deve cruzar os braços em um movimento de greve inédito desde os anos 1990.
O movimento é uma reação ao projeto de reforma discutido pelo governo Macron, que prevê o fim do estatuto exclusivo de aposentadorias – maquinistas se aposentam aos 52 anos -, o fim da estabilidade no emprego e a extinção de benefícios, como bilhetes grátis de trem para toda a família. Além disso, o projeto prevê o fim do monopólio da companhia e a abertura à concorrência internacional, em acordo com a União Europeia.
Insatisfeitos, os sindicatos da categoria programaram um calendário intenso de greve. Entre abril, maio e junho – início do período de férias na Europa -, os grevistas deixarão de trabalhar dois dias dos cinco úteis. O resultado prático será uma esperada pane no transporte público francês, essencialmente férreo – 30 mil quilômetros de linhas funcionais e 15 mil trens circulando por dia. A promessa dos sindicatos é impedir a circulação de sete a cada oito Trens de Grande Velocidade (TGVs, os trens-bala) e de quatro em cada cinco Trens Expressos Regionais (TER, que irrigam o interior do país).
“Com uma greve dura dos ferroviários, todos os governos se dobraram. E Macron não é Deus na Terra”, afirma Fabien Villedieu, um dos líderes do sindicato Sud-Rail.
À paralisação dos ferroviários, trabalhadores dos setores de energia elétrica e gás somaram-se ao calendário de greves, não apenas apoiando o estatuto exclusivo da SNCF, mas sua extensão a todo o funcionalismo público. Os dois setores são estratégicos, porque envolvem também a EDF, companhia que gere as plantas de energia nuclear, responsáveis por mais de 70% da eletricidade distribuída no país.
Os movimentos no setor público, que envolvem também a coleta de lixo e universitários contra a criação de um sistema de seleção para ingresso na universidade pública, serão seguidos por trabalhadores de empresas privadas, como a companhia aérea Air France e o gigante supermercadista Carrefour.
Hoje, em meio a um evento público, Macron fez sua única declaração a respeito do movimento grevista. Abordado por um eleitor que lhe disse “Presidente, não ceda!”, o chefe de Estado respondeu: “Não se preocupe”. Porta-voz do principal partido da base de sustentação do governo, República em Movimento (LREM), Gabriel Attal disparou: “O importante seria talvez deixar para trás a cultura da greve”.
Mas nos bastidores políticos o governo se prepara para seu grande teste frente a sindicatos potentes, que não se mobilizaram em 2017, quando da reforma trabalhista empreendida nos primeiros meses de gestão. Eleito com um programa reformista, que detalhava o projeto de transformação na SNCF, Macron será testado em sua capacidade de resistir à pressão das ruas, que nos últimos 20 anos enfraqueceu presidentes – Jacques Chirac e François Hollande foram abalados por grandes movimentos grevistas – e derrubou primeiros-ministros.
Para Jérôme Saint-Marie, cientista político e pesquisador no instituto de pesquisas Pollingvox, o presidente chega a uma encruzilhada no segundo ano de sua administração. Uma pesquisa realizada pelo instituto Elabe mostrou que 58% dos franceses consideram que o presidente é fiel a seu programa, 42% pensam que será eficaz para o desempenho da economia, mas só 25% acreditam que sua política é justa. “Um greve de transportes é quase uma greve geral na França. É a hora da verdade do macronismo”, adverte Saint-Marie. “Há duas possibilidades: ou há uma agregação, inclusive das greves privadas, e nesse caso haverá um grande encontro marcado dos que não votaram Macron. Ou as pessoas pensarão que as greves prejudicarão o crescimento, penalizarão quem trabalha. Isso ainda não sabemos.”