Mundo das Palavras

Francisco na penumbra

As fotos mais fascinantes do Jornalismo não são só registros visuais de acontecimentos. Contém pontos de vista inseridos nas imagens de modo esteticamente atraente. Algumas destas fotos estão, por exemplo, na iconografia da trágica crise moral enfrentada pela Igreja Católica decorrente dos casos de pedofilia praticado por padres. Imagens assim foram usadas em duas publicações mundialmente importantes.
 
Na alemã Der Spiegel, em setembro último. Sua capa com moldura avermelhada, tinha penumbra para insinuar que Francisco I age de modo suspeito, escondido da opinião pública. Cabisbaixo, de seu rosto só era possível ver a parte frontal. Caso restasse alguma dúvida, a manchete da capa desfazia. Nela, Francisco I foi aconselhado, de modo grosseiro, a “não mentir”. Numa arrogância não vista antes, quando o papa era Bento XVI. O alemão, que, frente à divulgação de casos semelhantes de abusos sexuais dentro da Igreja Católica, limitou-se a renunciar a seu cargo, sob alegação de idade avançada. Estava com 86 anos. Três a mais que Bergoglio, hoje.
 
O mais grave é que estes tratamentos diferenciados existiam até dentro da alta hierarquia católica. Na verdade, com Bergoglio, um não europeu só pôde ocupar, pela primeira vez, o Trono de Pedro, porque sentar-se nele tornou-se o equivalente a instalar-se na boca de um vulcão. Especialmente, no caso de um latino-americano, como o argentino. Pois havia sido exatamente na América Latina que o antecessor de Ratzinger (com grande ajuda do alemão), o polonês João Paulo II tinha massacrado uma corrente teológica impulsionada pela generosa luta por Justiça Social, com apoio teórico da Doutrina Social da Igreja. Cujo efeito dentro da instituição fora somente o de elevá-la moralmente, atraindo para seu clero inúmeros jovens idealistas. 
 
Mas, a imagem de Francisco I podia ser enquadrada numa visão diferente; Quem mostrou isto de modo surpreendente foi uma revista considerada como marco da História do Rock. Em fevereiro de 2014, a Rolling Stone quebrou uma tradição de décadas, ao ocupar o espaço de sua capa, com alguém estranho ao showbusiness. Pôs nela uma foto de Bergoglio, quando, havia mais de um ano, ele enfrentava o vendaval das denúncias de pedofilia clerical. No convite ao fotógrafo para produzir a imagem do papa, a revista já revelara que tinha intenção diferente da de Der Spiegler. Ela dirigiu-o ao italiano Stefano Spaziani, respeitado retratista italiano, acostumado a fotografar papas. E, como a Der Spiegel, Stefano também usou penumbra, numa página interna da revista. Para, no entanto, deixar Francisco I à vontade. Como se, na escuridão, ele pudesse escapar do protocolo do Vaticano, ao exibir cansaço, sentado em seu trono.
 
Na capa, outra imagem – sorridente – do argentino. Sobre ela, como título, um verso esperançoso de Bob Dylan. “Os tempos estão mudando”.
(Ilustração: a foto publicada em página interna da Rolling Stone)

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