O promotor do Ministério Público responsável pelas investigações da operação Leite Compen$ado, Mauro Rockenbach, reconhece os avanços de mais de dois anos de combate a fraudes na produção de leite no Rio Grande do Sul, com quase 50 prisões e 14 condenações, mas alerta que os crimes ainda fazem parte da realidade do setor. A diferença é que, como os grandes laticínios estão mais rigorosos no recebimento de matéria-prima, o leite cru adulterado passou a ser direcionado a empresas menores que fabricam derivados, algumas em outros Estados. Segundo ele, as indústrias maiores temem problemas e estão rejeitando carregamentos. “As cargas vão para queijarias, para pequenos fabricantes que têm uma redução na sua categoria de fiscalização”, disse Rockenbach, da Promotoria de Justiça Especializada Criminal do MP/RS, em entrevista ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado.
Ele lembra que a operação Queijo Compen$ado, deflagrada no mês passado, reflete essa migração na dinâmica criminosa da cadeia – esta é a primeira ramificação da Leite Compen$ado, que começou em 2013 e até agora contabiliza oito etapas em diferentes pontos do Rio Grande do Sul. A fraude realizada na Lacticínios Progresso, na cidade de Três de Maio, no norte gaúcho, envolvia a adição de milho ao queijo, para mascarar a colocação de água no leite usado no processo de produção. Também ficou comprovada a compra de leite fora dos padrões da indústria. Dez pessoas foram denunciadas.
A equipe de Rockenbach tem outras quatro operações em andamento, com foco em leite e em derivados que não se restringem ao queijo. O promotor explica que, quando o Ministério Público do Rio Grande do Sul teve acesso aos primeiros laudos laboratoriais que indicavam a presença de formol em amostras de leite, entre 2012 e 2013, não se imaginava que a investigação tomaria essa dimensão. “Achávamos que era uma quadrilha organizada em um ou dois pontos do Estado. Hoje sabemos que se trata de uma cultura criminosa”, disse Rockenbach, que trabalha em conjunto com a Promotoria de Defesa do Consumidor.
Em parceria com o Ministério da Agricultura e Pecuária, o MP/RS descobriu dois tipos de adulteração: a fraude de volume consiste na adição de água para aumentar a quantidade de leite comercializado e simultaneamente de ureia (que tem o formaldeído na sua composição) para mascarar essa dissolução; já a outra é de qualidade e trata do uso de substâncias como soda cáustica e água oxigenada, com o objetivo de recuperar propriedades do leite em deterioração, evitando perdas. Nas oito etapas da Leite Compen$ado, foram identificadas fraudes por parte de postos de resfriamento, transportadores e, em alguns casos, das próprias indústrias de laticínios.
Conjunto de ações
Rockenbach argumenta que não se combate uma cultura criminosa somente com repressão. “(Os fraudadores) vão continuar fazendo porque o meio permite”, disse. Segundo ele, a fiscalização do Ministério é deficiente tanto em número de fiscais como em horário de atuação. O promotor também critica o fato de o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa) – que é a legislação federal específica do agronegócio – datar de 1952 e não ter sido atualizada pelo governo desde então.
De acordo com Rockenbach, um dos maiores problemas do setor é a falta de regulamentação para a atividade do transportador de leite, que poderia ser resolvida com uma atualização do Riispoa ou com a aprovação de lei estadual – em ambos os casos há propostas em avaliação há anos. Além disso, ele defende que seja feito um trabalho mais forte de qualificação e conscientização dos profissionais da cadeia leiteira, bem como o maior rigor na legislação penal para casos de fraude com alimentos.
“Estamos andando em círculos. Há avanços, mas não com a velocidade que deveria, não com a importância que deve ter o tema”, afirmou. “Outras medidas têm que caminhar em paralelo (às investigações do MP/RS) para que o setor fique tranquilo. Senão teremos cada vez mais focos de adulteração, porque não há um desencorajamento. Pelo contrário, é vantajoso cometer o crime; eles sabem que não vamos pegar todas as situações de fraude.”
Rockenbach diz que, sem uma ação mais ampla no País, será difícil evitar que fraudes como a do leite se repitam com derivados e também com outros alimentos. Outra consequência é a disseminação dos produtos adulterados para regiões que ainda não são alvo de uma investigação extensiva. “Hoje o leite bom está ficando aqui. O leite ruim está migrando para pequenas indústrias ou está saindo do Estado”, disse. “Santa Catarina fez três operações e percebeu a mesma situação. O leite ruim está saindo de lá e indo para São Paulo.”