O CEO da Natura & Co, Roberto Marques, não acredita que as respostas ao ambiente de insatisfação e frustração em relação ao atraso da vacinação à população brasileira e à situação econômica do País estejam no impeachment do presidente Jair Bolsonaro. No lugar, ele defende um movimento de coalizão.
"No momento em que a humanidade está enfrentando tanto a pandemia quanto a crise ambiental, não há muito espaço nem para agenda de competição, nem para agenda política. Tem de haver uma coalizão, todo mundo jogando para a mesma direção", diz o executivo, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast sobre sua participação no Fórum Econômico Mundial de Davos, que neste ano acontece no formato virtual.
Ainda que o déficit fiscal do País seja preocupante, ele é favorável à continuidade do auxílio emergencial enquanto o ritmo da imunização não permitir a retomada da economia se dar de forma natural. Quanto à mobilização do setor privado na compra de vacinas, o executivo diz que a companhia está aberta desde que sejam respeitadas as prioridades do Sistema Único de Saúde (SUS).
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
<b>No Fórum de Davos, o senhor citou a importância de uma atuação conjunta de companhias e governos em prol de uma economia verde. Qual a sua análise sobre a situação do Brasil?
</b>
A gente percebe uma mudança iniciada agora com a entrada dos Estados Unidos no Acordo de Paris e já com o governo americano colocando uma pauta bastante agressiva com relação a metas ambientais. É muito positivo. Da mesma maneira, a Europa já está com uma agenda muito forte, bastante alinhada com metas ambientais. A própria China entrando e colocando uma meta de emissão zero de carbono até 2060. A gente vê com bons olhos os governos e eu acho que a América Latina, até mais do que só o Brasil, tem de se inserir dentro dessas agendas.
<b>O sr. mencionou a importância de as companhias adotarem métricas ambientais com o mesmo peso dos indicadores financeiros. Como seria isso?
</b>
A gente imagina e gostaria que a mesma disciplina das empresas que reportam seus resultados trimestrais, se deram prejuízo ou não, seja adotada com a agenda ambiental. As empresas têm de reportar o seu progresso, índice de carbono. Os próprios governos têm de fazer a mesma lição de casa. Se a gente conseguir trabalhar com metas baseadas na ciência, ferramentas claras, com metas e indicadores comuns, com transparência e mecanismos de incentivo e responsabilidade clara sobre isso, eu acho que a gente consegue evoluir e chegar nos objetivos que precisamos como sociedade, governo e iniciativa privada.
<b>O Brasil entrou na segunda onda de covid-19 sem ter solucionado a primeira. Quais ações o setor privado espera do poder público para enfrentar esse novo capítulo da crise?
</b>
O governo brasileiro teve atuações importantes de ajuda durante o período crítico da crise. Acho que a crise vai continuar por um período maior do que todo mundo imaginava. Assim, há a importância de os governos continuarem a entender demandas e necessidades e agirem. O governo americano, por exemplo, já tem pensado em outro pacote de ajuda. A Europa também já tem discutido isso. Porque o mundo tem visto mutações do vírus e coisas que têm trazido desafio grande de restrições. Outro aspecto é o da vacinação. O Brasil tem histórico de sucesso na vacinação, um sistema público exemplar. O Brasil é, e tem de ser, um exemplo em relação a isso, porque sempre foi. Temos uma oportunidade de realmente exercer essa vocação com um Sistema Único de Saúde de vacinação efetiva. O que a iniciativa privada puder ajudar o governo nesse sentido, é importante, mas tem um papel do governo relevante dentro disso.
<b>Está em discussão uma nova rodada do auxílio emergencial. Qual a sua opinião sobre a extensão do benefício, considerando a atual situação da dívida pública brasileira?
</b>
A primeira preocupação é manter a economia e o auxílio emergencial como uma coisa importante, principalmente até que a gente consiga chegar em um nível de imunização para retomada mais normal da vida e da economia. A preocupação com déficit e dívida é muito relevante. Não é uma equação fácil no mundo todo, nem no Brasil. O que a gente tem observado no mundo é a prioridade em manter algum tipo de renda e atividade da economia. A hipótese é que, se isso não acontece, o efeito depois acaba sendo mais longo e perverso para a própria economia e para as contas do governo.
<b>Como o senhor avalia a possibilidade de compra de vacinas por parte do setor privado? A Natura está participando dessas discussões?
</b>
A nossa posição é muito simples. Temos que respeitar as prioridades que vêm do sistema de saúde para a vacinação. Ou seja, respeitar as pessoas que necessitam da vacina primeiro, seja por idade ou por condições de saúde. Não devemos fazer discriminação por renda. Isso é muito importante. (Sobre) a participação da iniciativa privada, nós estaríamos abertos, desde que isso fosse respeitado. Nós não vamos querer comprar vacinas para priorizar os funcionários da Natura.
<b>Há um nível de insatisfação grande no Brasil com a atuação do governo na pandemia, a demora das vacinas enquanto o mundo avança na imunização. Qual a percepção do sr. sobre a possibilidade de um impeachment do presidente Jair Bolsonaro?
</b>
Esse nível de insatisfação e de frustração está acontecendo em muitos lugares do mundo, o Brasil não é o único. O Reino Unido está passando por um momento extremamente difícil, a Alemanha colocando restrições mais fortes. Essa sensação de frustração ligada à questão das vacinas e seus sistemas de distribuição não é exceção do Brasil, o mundo está aprendendo a lidar com essa distribuição. Temos de ter esse olhar de bom senso em relação a todo o entorno, mas com agenda de como vamos resolver. No momento em que a humanidade está enfrentando tanto a pandemia quanto a crise ambiental, não há muito espaço nem para agenda de competição, nem para agenda política. Tem de haver uma coalizão, todo mundo jogando para a mesma direção. Para esses temas que põem em risco a humanidade, nós não deveríamos ter lente de competição, por parte das empresas, nem de agenda política.
<b>O impeachment, então, não é uma boa solução?
</b>
Não quero entrar em agenda de política. O Brasil não é o único país a lidar com esse contexto de insatisfação. A maneira de abordar é buscar a solução de maneira coletiva e multilateral e não com agendas conflitantes competitivas ou políticas.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>