O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, autorizou o envio de 1.495 militares para ajudar o vizinho Moçambique a lutar contra um grupo armado ligada ao Estado Islâmico, anunciou o Parlamento nesta quarta-feira, 28.
O destacamento da Força de Defesa Nacional da África do Sul (Sandf, na sigla original) ocorre depois de o bloco econômico da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (Sadc) aprovar, no mês passado, o envio de tropas a Moçambique para combater um conflito que deixou milhares de mortos desde 2017.
Em uma carta enviada ao presidente do Parlamento, Ramaphosa disse que os militares da Sandf ficarão em Moçambique entre 15 de julho e 15 de outubro a um custo estimado de 984 milhões de rands (R$ 342,5 milhões).
Segundo Ramaphosa, os militares da África do Sul ajudarão Moçambique a combater "atos de terrorismo e extremistas violentos que afetaram a área de Cabo Delgado".
Desde 2017, os jihadistas, conhecidos pelo nome de al-Shabab ("Os jovens", em árabe) e que juraram fidelidade ao grupo terrorista Estado Islâmico em 2019, têm saqueado vilarejos e cidades na província de Cabo Delgado, uma das mais pobres do país, forçando o êxodo de 700 mil pessoas, segundo a ONU.
A violência matou pelo menos 2.600 pessoas na província, metade civis, de acordo com a ONG americana Acled (sigla em inglês para Projeto de Localização de Conflitos e Eventos Armados), e um projeto bilionário de extração de gás natural liderado pela empresa francesa Total está paralisado.
<b>O jihadismo em Moçambique</b>
O norte de Moçambique vive o auge de uma onda de violência que tomou a região nos últimos três anos, quando insurgentes islâmicos passaram a promover assassinatos, decapitações e sequestros de mulheres e crianças em vilarejos na província de Cabo Delgado, rica em rubi e gás natural.
Na aldeia de Muatide, por exemplo, jihadistas transformaram em novembro um campo de futebol em campo de execuções. Segundo fontes locais, os combatentes capturaram pessoas que tentavam fugir, levaram-nas para o local e mutilaram seus corpos.
Mais de 50 pessoas foram decapitadas ao longo de três dias de violência. Desde 2007, cerca de 2 mil pessoas foram mortas e mais de 430 mil ficaram desabrigadas no conflito na província de maioria muçulmana, religião de um em cada cinco moçambicanos.
A organização não governamental Anistia Internacional estima que mais de 350 mil pessoas correm o risco de passar fome na esteira da crise.
A penetração do jihadismo em Moçambique acompanha um fenômeno que se espalha por vários países mais pobres da África, em especial na região do Sahel, entre o deserto e a savana, incluindo Mali, Burkina Faso e Níger. Em 22 de março, um ataque na região nigerina de Tahoa deixou 200 mortos.
O conflito no norte de Moçambique, envolvendo milícias armadas – algumas associadas ao Estado Islâmico (EI) – e as forças do governo acontece desde 2017. Segundo estimativas do projeto ACLED, que mapeia dados sobre conflitos armados ao redor do mundo, mais de 1,4 mil pessoas morreram nos últimos dois anos e meio. Duzentos e cinquenta mil foram obrigadas a fugir de casa, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários.
As raízes da insurgência remontam a 2014, na província setentrional de Cabo Delgado, onde alguns líderes religiosos questionavam a "pureza" do islamismo no país – 17% dos moçambicanos são muçulmanos. Indo além do discurso radical, em outubro de 2017 ocorreram os primeiros ataques, contra postos da polícia em Mocimboa da Praia.
A principal milícia da insurgência, a Ahlu Sunna Wa Jama, quer criar um estado inspirado por uma visão deturpada da Sharia, a lei islâmica. Em 2019, deu sinais de aproximação com o Estado Islâmico, e o grupo terrorista chegou a assumir alguns dos ataques em solo moçambicano, algo que analistas consideram ter sido apenas um ato de propaganda gratuita. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)