Estadão

África do Sul tem blecautes de 12h e se depara com contradição ao receber F-E

Um país em crise energética sedia neste fim de semana a principal categoria de carros elétricos. É com esse cenário contraditório que a Fórmula E desembarca na África do Sul para celebrar o E-Prix da Cidade do Cabo.

A África do Sul lida com uma grave crise no setor de abastecimento de energia elétrica. No dia 9 de fevereiro, o presidente Cyril Ramaphosa decretou estado de catástrofe no país, com o objetivo de desbloquear recursos financeiros para reduzir a quantidade e duração dos apagões que afetam os sul-africanos. Outra iniciativa proposta é criar uma pasta no governo, nomeando um ministro especial para lidar com o setor energético. As medidas têm forte resistência da oposição.

Durante o discurso anual do Estado da Nação, na Cidade do Cabo, o chefe do Executivo sul-africano disse que tem como meta acabar com os apagões a longo prazo. Milhões de habitantes do país sofrem com racionamento de energia. Em algumas ocasiões, determinadas regiões chegam a ficar até 12 horas seguidas sem luz.

O fornecimento de luz na África do Sul é feito majoritariamente (cerca de 90%) por uma empresa pública, a Eskom. Os blecautes são causados diretamente por danos nas redes elétricas, que não receberam a manutenção devida nos últimos anos, especialmente diante dos casos de corrupção que tomaram a Eskom durante a gestão do ex-presidente Jacob Zuma. No último domingo, a empresa, que tem uma dívida de quase US$ 26 bilhões (R$ 134 bilhões) a ser absorvida em parte pelo governo, reforçou que seguirá com os cortes de energia até resolver os problemas estruturais.

A matriz energética sul-africana é baseada principalmente em carvão mineral e com usinas deterioradas e necessitando de urgentes reparos. A preocupante crise na África do Sul poderia ficar limitada à distribuição de energia elétrica, mas vai além. O país também enfrenta problemas sérios de desemprego, que persiste há anos e atinge cerca de 33% da população. O setor alimentar é um dos mais afetados com os blecautes, mas há efeitos até nas funerárias. A preservação dos corpos está sendo prejudicada em um país cuja tradição é realizar longos velórios. Nessas circunstâncias, há uma recomendação de que os enterros ocorram em até quatro dias após a morte.

FÓRMULA E
A Fórmula E é uma categoria do automobilismo que tem como foco a promoção de energias renováveis e diminuição nas emissões de poluentes. Em um país como a África do Sul, a organização e promotores do E-Prix da Cidade do Cabo esperam colaborar na busca de soluções para a necessidade de se efetivar uma transição energética, abolindo a dependência de energia fóssil.

"Para mim, é importante que o evento seja da Fórmula E e sinalize para o futuro, o futuro da mobilidade verde, o futuro sustentável e a esperança de um novo futuro energético para nosso país e província. Esta semana, a Cidade do Cabo está hospedando não os mentes de gasolina, mas os mentes de bateria do mundo. Tenho certeza de que esta corrida influenciará tantas pessoas em suas escolhas de carreira daqui para frente, que agora pensarão em veículos elétricos, armazenamento de bateria, eletrônica e engenharia elétrica. Esta corrida é o nosso futuro e mal posso esperar", afirma Alan Winde, premiê da província de Western Cape, cuja capital é a Cidade do Cabo. O premiê também revela que abrigar uma prova da F-E mostrará a capacidade futura do país em superar a crise.

"Acho que o principal motivo para eu me esforçar para sediar a Fórmula E é porque as baterias farão parte do nosso futuro mix de energia. Carros elétricos também e, em um país tão pobre em energia (como a África do Sul), esta corrida mostrará muito de nossas possibilidades futuras", declarou ao Estadão.

Anton Roux, presidente da Federação Sul-Africana de Automobilismo (Motorsport South Africa), vai ao encontro do que afirma o premiê de Western Cape. Ter a Fórmula E na Cidade do Cabo viabiliza o país nas discussões sobre integrar o esporte à era da energia limpa.

"A atual crise de eletricidade na África do Sul é um desafio, no entanto, enquanto nós, como país, lidamos com essa crise, ainda temos que continuar com todas as iniciativas de longo prazo com referência à sustentabilidade do nosso esporte", afirma Roux.

Alberto Longo, cofundador da Fórmula E, entende que a crise sul-africana não preocupa a organização da prova, dada a autonomia da categoria, que não utiliza a energia elétrica das cidades por onde passa. "Não podemos ter dependência em posições críticas, como carregar os carros, transmitir a corrida para todo o mundo, enfim. Não posso pensar que a Fórmula E possa ensinar a um país ou uma cidade maneiras de gerir sua energia, mas esse é um trabalho que os dirigentes da África do Sul têm no momento para fazer uma mudança estrutural muito grande."

E-Prix da Cidade do Cabo
Sábado – 25/02

4h05 – Treino Livre
6h40 – Treino classificatório
11h03 – Corrida

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