Estadão

Fórmula E tem grid majoritariamente branco e patina para incluir pilotos pretos

O automobilismo não é um polo esportivo com considerável participação de pessoas pretas. Na Fórmula 1, por exemplo, o britânico Lewis Hamilton, heptacampeão mundial, é o único negro do grid da categoria. Na Fórmula E tampouco há pilotos pretos. O perfil é majoritariamente branco e europeu. Na temporada 2022-23, os cockpits da competição de carros elétricos são preenchidos por apenas cinco pilotos de outros continentes.

Entre os 22 pilotos do grid que competirão neste fim de semana na Cidade do Cabo, na África do Sul, as exceções são os brasileiros Lucas di Grassi e Sergio Sette Câmara, o sul-africano Kelvin van der Linde e os neozelandeses Mitch Evans e Nick Cassidy. Todos brancos.

A Fórmula E está em sua nona temporada. Pela primeira vez, ela realizará um evento na África Subsaariana. Já esteve no Marrocos, nas ruas da capital Marraquesh, mas finalmente estará em um país formado majoritariamente pela população negra. O Censo de 2011 da África do Sul aponta que o país tem cerca de 41 milhões de habitantes negros, o que representa 79% da população.

Entre 1948 e 1994, a África do Sul viveu sob o Apartheid, regime de segregação racial, adotado como política oficial, em que os negros perderam direitos, entre eles o voto e a liberdade de circulação em determinados espaços, para sustentar privilégios para a minoria branca.

Ao longo do período em que vigorou o regime do Apartheid, a África do Sul recebeu uma série de sanções econômicas e esportivas. O país foi excluído dos Jogos Olímpicos e, mais tarde, expulso do Comitê Olímpico Internacional (COI). Decisões semelhantes foram aplicadas também pela Federação Internacional de Futebol (Fifa).

A Fórmula 1, porém, continuou com eventos no país, mesmo diante da segregação racial. Entre 1960 e 1985, celebrou Grandes Prêmios em Johanesburgo anualmente, com exceção a 1964. Entre 1986 e 1991, o evento foi suspenso após a Fisa (Federação Internacional de Automobilismo Esportivo), órgão regulador da F-1, atender a Convenção Internacional contra o Apartheid nos Esportes, assinada na Organização das Nações Unidos (ONU).

Em 1992 e 1993, a Fórmula 1 voltou à África do Sul e depois nunca mais esteve em território africano. Negociações recentes para celebrar uma nova edição no país não tiveram desfecho positivo. Com a Fórmula E na Cidade do Cabo, a expectativa da organização do evento é que as portas voltem a se abrir para o país, que vive severa crise energética e econômica.

INCLUSÃO E FORMAÇÃO DE NOVOS PILOTOS NA FÓRMULA E
Lewis Hamilton é um dos poucos pilotos da elite do automobilismo a discutir questões sociais, políticas e raciais. O britânico lidera o Mission 44, instituto cujo principal objetivo é apoiar, capacitar e empoderar jovens de grupos desfavorecidos em busca de sucesso, reduzindo distâncias na educação e sociedade. As ações, portanto, não se darão apenas na área esportiva ou do automobilismo. A ideia é viabilizar estratégias para diminuir a desigualdade social ampliando as oportunidades de formação.

"As pessoas dizem que o esporte não é um espaço para política, mas direitos humanos não são puramente políticos, é algo que todos deveriam ter acesso. Não é fácil falar sobre questões sociais, mas é necessário abrir o coração e falar a realidade do que as pessoas estão vivendo ao redor do mundo. Eu tenho uma voz e vou usá-la", afirmou Hamilton quando esteve no Brasil em 2022.

Para a organização da Fórmula E, inclusão é um passo importante e que está entre os principais objetivos da categoria. De acordo com o cofundador e diretor da competição, Alberto Longo, é necessário criar laços com países que não encontram tanto espaço para desenvolver talentos no automobilismo.

"Queremos criar esse laço com países que não estão muito vinculados ao esporte a motor. A África do Sul é um país que tem presença nas equipes da Fórmula E, mas queremos que tenhamos mais pilotos africanos. Nós somos totalmente inclusivos e, por isso, queremos que tenha cada vez mais gente de diferentes cores, raças, religiões e gêneros", afirma Longo.

De acordo com Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no futebol, a oportunidade para um negro chegar no topo do automobilismo é ainda mais difícil do que em outros esportes, dada a necessidade elementar de apoio financeiro.

"Quando falamos de automobilismo, precisamos falar de recursos financeiros. Não basta o talento para que alguém se torne piloto. A grande diferença para outros esportes é essa. É necessário programas esportivos para descobrir talentos", afirma Carvalho. Ele ressalta que sediar um evento de esporte a motor na África do Sul não terá efeitos práticos imediatos para aumentar a participação dos negros na modalidade, mas poderá servir de base para impulsionar sonhos de jovens que almejam uma oportunidade.

"A pura e simples ida para a África do Sul não é uma ação de combate ao racismo. Ela vai para lá porque financeiramente será viável ou rentável. O que a gente vai poder observar é o reflexo do evento no país. Por mais que eles não tenham pensado nisso, a aproximação do automobilismo com o continente africano vai dar aos jovens negros africanos essa possibilidade de sonhar em um dia se tornar piloto", analisa.

Alan Winde, premiê de Western Cape, província cuja capital é a Cidade do Cabo, avalia que ao receber a Fórmula E, a África do Sul é capaz de impulsionar a formação de novos pilotos. "Essa é a minha verdadeira esperança. Temos vários sul-africanos no automobilismo de classe mundial, de Moto GP à F-1 no passado, além um sul-africano nesta corrida também (Kelvin van der Linde). Tenho certeza de que eles estão inspirando jovens concorrentes em potencial do futuro."

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