A apresentação pelo governo de uma proposta para parcelar o pagamento de dívidas judiciais da União levou parlamentares de diferentes espectros ideológicos a questionar o compromisso do governo com a manutenção do teto de gastos, hoje a principal âncora fiscal do governo, durante audiência pública com o secretário especial de Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal. O secretário, por sua vez, reagiu dizendo que é preciso lidar "bem" com o problema dos precatórios, ou "vai ser muito pior".
A regra do teto, criada em 2017, limita o crescimento das despesas à inflação e é considerada hoje pela equipe econômica como fiadora da credibilidade na sustentabilidade das contas do País.
Neste mês, o governo apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para parcelar o passivo sob o argumento de que é preciso compatibilizar a despesa com o mecanismo do teto. Chamado de "meteoro" pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o gasto com precatórios chegaria a R$ 89,1 bilhões em 2022.
"A cada meteoro teremos nova PEC para resolver teto? Não é o caso de discutir outra regra fiscal mais adequada a desenvolvimento do País?", disparou o deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
Pouco antes, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) questionou sobre a "perspectiva real" de manutenção do teto, dado que apenas parte das reformas defendidas pelo governo avançou no Congresso Nacional – uma delas é a da Previdência. A deputada ainda pediu detalhes sobre como está a "visão internacional" sobre a proposta de parcelamento dos precatórios, uma vez que o "assunto é delicado". "É calote institucionalizado, na minha visão", disse.
Em sua resposta aos parlamentares, Funchal disse que a âncora de credibilidade e o rumo dos juros do País "são hoje muito dependentes do teto". Ele lembrou que as taxas caíram de 14% ao ano para 7% com a aprovação da regra fiscal, e quaisquer incertezas sobre a compatibilidade de despesas com o limite de gastos já produz ruídos no mercado financeiro.
"Só de surgir dúvida, sobe o risco", disse o secretário. "Isso mostra a importância dessa âncora fiscal."
Funchal advertiu ainda que, se o governo e o Congresso não lidarem bem com o problema dos precatórios, "vai ser muito pior".
Segundo ele, o compromisso com as contas organizadas é considerado "base" para o crescimento econômico. Hoje, num cenário de melhora da arrecadação e trajetória de estabilidade da dívida, o governo espera a volta das contas ao azul (ou seja, superávit, com receitas maiores que despesas) "talvez em 2023". "Se desancorar do teto, essa projeção (de melhora) não se sustenta", alertou.
"Precisamos de debate aberto, com prós e contras de cada alternativa", disse. Segundo ele, o mais importante é abrir a discussão. "Ninguém é dono da verdade. Precisamos discutir (a proposta)", afirmou.
Alvejada por críticas vindas de parlamentares, advogados, representantes dos Estados e agentes do mercado financeiro, a proposta de parcelamento de dívidas judiciais da União tem sido colocada pelo governo como alternativa para disciplinar a despesa com precatórios e permitir a manutenção do teto. Ao mesmo tempo, ela deixa espaço para que o governo leve adiante os planos de turbinar o Bolsa Família, que seria rebatizado de Auxílio Brasil.
Para o secretário, o maior desafio é "harmonizar" as despesas com dívidas judiciais e o Orçamento sem trazer "insegurança". "Queremos controlar a inflação e manter economia com juros baixos. Para isso, precisamos de expectativas ancoradas, risco final menor", afirmou. Sobre a visão internacional, ele disse que as agências de classificação de risco olham mais para a dívida mobiliária (emitida pelo Tesouro), embora o precatório também seja uma dívida reconhecida.
Ele reconheceu ainda que efeito da desaceleração do déficit da Previdência esperado após a reforma será mais expressivo nos próximos anos. Além disso, ele destacou a importância dos gatilhos do teto aprovados na PEC emergencial, que disparam com medidas de contenção de gastos quando eles atingem determinado nível. O dispositivo vale para União, Estados e municípios.
O secretário disse ainda que neste momento a PEC dos precatórios acaba sendo a prioridade de aprovação no Congresso por causa da "urgência" (para produzir efeitos já no Orçamento de 2022), mas a reforma administrativa também está na lista de prioridades do governo.