Funcionários da Andrade Gutierrez, empresa que participou do consórcio para a construção da usina nuclear de Angra 3, sob investigação no âmbito da Operação Lava Jato, jogaram no colo da Eletronuclear a responsabilidade por atrasos e aumento de custos na obra, retomada em 2009 após mais de 20 anos parada. As testemunhas também relataram a má qualidade dos projetos, que eram responsabilidade da Engevix, e destacaram a “ética” e o “perfil técnico” dos acusados.
Os depoimentos, convocados pelas defesas de Flávio David Barra, ex-presidente da AG Energia, Otávio Marques de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, e de Gustavo Botelho, diretor-superintendente da empresa (todos réus na ação que investiga desvios e pagamento de propina), foram colhidos na última segunda-feira, 25, pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.
Um dos funcionários afirmou que Azevedo “não participava das decisões” sobre a obra de Angra 3. Já o presidente da EDF no Brasil, Yann des Longchamps, que atua na área de energia e tem “relacionamento profissional” com Barra, destacou que o réu “nunca teve atitude contrária à ética profissional”. O ex-presidente do Conselho de Administração da Eletronuclear, Armando Casado, disse nunca ter recebido oferta de propina. As declarações foram as primeiras de uma série que serão ouvidas pela Justiça Federal ao longo desta semana.
O gerente de obras Cauê Oliveira Bastos, que trabalhou na construção de Angra 3, afirmou à Justiça que pelo menos dois problemas atrapalharam o andamento das obras, que desde 2009 sofreram idas e vindas e, desde setembro de 2015, estão mais uma vez paralisadas. O primeiro foi o licenciamento, obtido em fatias junto à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
“Ficávamos restritos a trabalhar no trecho que era liberado (…). Não necessariamente é o melhor jeito de dar andamento à obra, às vezes você queria fazer uma parede externa e ficava limitado. Isso levou a aumento de prazos, queda de produtividade e coisas assim”, disse.
Outro obstáculo, “mais pesado” na visão de Bastos, era a qualidade precária dos projetos civis de Angra 3. “Como o projeto não era bom, não foi muito bem pensado, coisas que eram necessárias de fazer não eram previstas inicialmente. Então você tem que aditar para colocar aquilo no contrato”, contou o gerente. O projeto de Angra 3 foi feito na década de 80. Em vez de nova licitação, o certame realizado naquela época (cuja vencedora foi a Andrade) foi revalidado em 2009 para retomar as construções.
O engenheiro de obras Paulo Fernando Rahme, da Andrade Gutierrez, também reclamou dos projetos. “Alguns projetos eram até ilegíveis. A gente recebia projetos deficientes, mesmo. E alguns não eram emitidos na data acordada”, disse na audiência.
“Existia uma (empresa) projetista, a Engevix, que foi contratada pela Eletronuclear para fazer essa revisão dos projetos, mas isso não foi suficiente, os projetos continuaram a vir com falhas e a não serem emitidos na data”, acrescentou. Rahme destacou ainda que as deliberações sobre a obra eram competência de Flávio Barra, e que Otávio Azevedo não participava das reuniões da AG Energia. Botelho, em sua descrição, tem “perfil técnico”.
Os problemas apontados seriam os motivos pelos quais a Andrade pleiteou uma série de aditivos ao contrato, em negociações tensas que chegaram a provocar paralisações nas obras devido às divergências entre a empresa e a Eletronuclear, segundo os funcionários. Para a Polícia Federal e o Ministério Público, os aditivos acabaram sendo fonte de propinas para funcionários da Eletronuclear. Entre eles, o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da estatal, que é suspeito de receber R$ 4,5 milhões em troca de favorecimento às empresas que atuavam na obra. Ele cumpre prisão domiciliar no Rio de Janeiro.
Procurada, a Andrade Gutierrez não quis comentar as afirmações feitas por seus funcionários. A Engevix e a Eletronuclear não se pronunciaram até a publicação desta reportagem.