O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, determinou nesta terça-feira, 20, um sorteio que definiu o ministro Alexandre de Moraes como relator do inquérito em que o presidente Jair Bolsonaro é investigado por suposta interferência na Polícia Federal. A medida, na prática, impede que o desembargador Kassio Marques – escolhido de Bolsonaro para a vaga antes ocupada pelo ministro Celso de Mello – herde a relatoria do caso. A iniciativa de Fux foi tomada um dia antes de o Senado analisar a indicação de Marques para o Supremo. O desembargador federal será sabatinado hoje pelos senadores e a previsão é de que seu nome seja referendado por ampla maioria.
O plano inicial de Fux era deixar que o sucessor de Celso de Mello também assumisse a relatoria do inquérito, mas ele mudou de posição. Pelas regras do STF, sempre que um ministro se aposenta, o sucessor fica com seus processos. Há uma exceção no regimento, para os casos em que o interessado no processo ou o Ministério Público solicitar redistribuição.
Fux justificou que o sorteio imediato se deu "em função da celeridade inerente a um inquérito" e disse que a medida atende à defesa do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, também investigado. Foi Moro que, em abril, acusou Bolsonaro de interferir politicamente na PF para proteger seus filhos.
Ministros do Supremo ouvidos reservadamente pela reportagem disseram apoiar a medida de Fux. Um dos magistrados considerou a iniciativa positiva para o próprio Marques, pois retira das costas do indicado questionamentos que ele poderia receber caso assumisse a relatoria – perguntas sobre o tema, inclusive, eram esperadas na sabatina de hoje no Senado.
O resultado do sorteio não agradou ao Planalto, que preferia ter o indicado pelo presidente como relator. Moraes não é um ministro alinhado ao governo e se tornou alvo de bolsonaristas por causa de sua atuação no inquérito das fake news.
Marques chega às portas da mais alta Corte do País demonstrando alinhamento total com Bolsonaro. Ele tem marcado posição crítica sobre os rumos de um dos temas atualmente mais sensíveis ao Planalto: o futuro da Lava Jato. Bolsonaro já declarou que "acabou" com a operação, pois, segundo ele, não há corrupção no governo.
Nas dezenas de conversas informais que manteve com parlamentares nas últimas semanas, o desembargador deu sinais de que vai se aliar à ala do Supremo que adotou posicionamento mais combativo sobre a operação. A postura crítica em relação à Lava Jato conta a seu favor no Congresso. Não são poucos os parlamentares que têm a expectativa de que Marques tome decisões alinhadas com as de ministros como Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Posições pró-Lava Jato têm sido defendidas principalmente por Fux.
<b>Romaria</b>
Licenciado do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região para se dedicar a cafés, almoços e jantares com senadores do governo e da oposição, Marques percorreu gabinetes até a véspera da sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Será a primeira vez que o desembargador vai falar longamente sobre suas posições jurídicas e políticas. A pessoas próximas e a senadores, ele tem dito que, na sabatina, evitará críticas incisivas à Lava Jato, mas pautará seu discurso de contorno "garantista" – termo usado para se referir àqueles que dão importância aos direitos fundamentais de réus em decisões pró-investigados.
Nas conversas com senadores, o desembargador também tem manifestado que cabe ao Judiciário, e não ao Legislativo, atuar em temas delicados, como aborto e drogas. A separação e a não interferência entre os Poderes é outro ponto da pauta de encontros informais que ele vinha mantendo com parlamentares.
O desembargador foi orientado por senadores governistas sobre os temas que deverão pautar a sabatina e a respeito de quais parlamentares deverão buscar embates mais duros. Apesar da longa duração esperada, o clima é de "já ganhou". Marques é o nome que agrada à oposição, ao governo e ao Centrão, e as controvérsias sobre sua formação acadêmica não foram suficientes para abalar a escolha de Bolsonaro.
Senadores aliados ao Planalto trabalham para agilizar o processo e aprovar a escolha no plenário da Casa na tarde do mesmo dia. "Vamos deixar o processo ir rápido", disse Jorginho Mello (PL-SC), um dos governistas que receberam nesta terça o desembargador no gabinete.
"Vai ser tranquila (a sabatina), ele tem feito esse trabalho de visita a senadores. A gente entende que qualquer dúvida será sanada e ele será aprovado", afirmou o senador Eduardo Gomes (MDB-TO).
<b>Temas</b>
Na lista de perguntas previstas para a sabatina de Marques estão questões sobre as inconsistências em seu currículo – reveladas pelo <i>Estadão</i> -, sua posição com relação à execução de pena após condenação em segunda instância e sobre eventual ligação com o advogado Frederick Wassef. "Pelo que o conheço, sem dúvida nenhuma ele vai elevar o Supremo Tribunal Federal", afirmou Renan Calheiros (MDB-AL).
Os 81 senadores poderão fazer perguntas na sabatina, que ocorrerá com restrições, em razão da pandemia. A CCJ vai permitir participações por videoconferência. A votação, porém, só será aceita presencialmente, em uma das três urnas instaladas na sala da comissão, no corredor e na garagem. Marques precisa de maioria simples entre os 27 membros da CCJ, para que sua indicação vá ao plenário do Senado com parecer favorável. O relator do processo na CCJ, Eduardo Braga (MDB-AM), está internado, com coronavírus, e não deverá participar da sessão. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>