No mesmo dia em que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, manifestou a senadores preocupação com uma proposta que permite ao Congresso anular decisões judiciais, deputados do Centrão discutiram estratégias para dar o troco na Corte. A ideia é resgatar medidas que mexem no funcionamento do STF, como a que prevê mandato para ministros, caso o tribunal atue para barrar o andamento da Proposta de Emenda à Constituição apresentada na Câmara, batizada de "PEC do Centrão", que dá a deputados e senadores o poder de reverter julgamentos.
O assunto foi discutido ontem em almoço promovido pela Frente Parlamentar do Empreendedorismo. Duas horas antes, Fux havia se reunido em seu gabinete com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e com outros parlamentares, na tentativa de acalmar a relação entre o Legislativo e o Judiciário.
Como mostrou o <b>Estadão</b>, a PEC do Centrão autoriza o Congresso a derrubar decisões do STF que não tenham sido tomadas por unanimidade e extrapolem "limites constitucionais". Na prática, o objetivo do bloco de partidos aliados ao presidente Jair Bolsonaro é cancelar julgamentos que barrem leis aprovadas no Congresso ou contrariem interesses de bancadas.
"Qualquer tipo de instrumento que faça com que decisões judiciais possam ser revistas por outro Poder é algo que parece, sim, ser inconstitucional", disse Pacheco ao tratar do assunto no café da manhã com Fux. "Respeitamos o tempo da Câmara, mas não vejo no Senado um ambiente para discussão de um tema dessa natureza."
<b>BÔNUS</b>
Pacheco também indicou ali a tendência de o Senado pautar uma proposta para conceder bônus a cada cinco anos nos salários de juízes e procuradores, o chamado "quinquênio", em troca da aprovação de um projeto para acabar com "penduricalhos" pagos acima do teto constitucional.
Em outro encontro, diante de integrantes da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, o deputado Domingos Sávio (PL-MG) defendeu a PEC, que é de sua autoria, como uma solução para a crise entre os Poderes. "Você quer tirar poder do Supremo? Não. Eu quero que o Supremo respeite a Constituição", disse Sávio.
A iniciativa recebeu acenos favoráveis de outros deputados presentes ao almoço e até do ex-ministro Carlos Marun, que prometeu levar o assunto à cúpula do MDB. "Sou contrário a essa liberalidade que existe em relação à interpretação criativa da Constituição."
<b>MEDIDAS</b>
Nos bastidores, líderes de partidos dizem que é preciso dar uma resposta ao que classificam como ativismo do Judiciário. Avaliam ainda que, se o STF agir para impedir a aprovação da PEC, outras medidas podem ser tomadas para "enquadrar" a Corte e colocadas como prioridade na próxima legislatura, em 2023.
Uma das iniciativas defendidas como "plano B" é estabelecer mandato de dez anos para ministros do STF. Hoje, um magistrado pode ocupar o cargo até os 75 anos. "Como é que indicamos um ministro em determinado momento da política e ele vai ficar até… Vou ter de conviver com ministros até 2045?", disse a deputada Paula Belmonte (Cidadania DF), que apoia a PEC do Centrão. "Faça um QR Code para facilitar", pediu ela a Sávio, sugerindo a impressão de um código pelo celular para facilitar a coleta de assinaturas para a PEC. O grupo tenta reunir 171 apoios para iniciar a tramitação da proposta na Câmara.
Na reunião, o deputado Zé Neto (PT-BA) defendeu "cautela" diante do período eleitoral. "É preciso ter muita serenidade, mas acho que o debate tem que ser feito."
<b> CANETADAS </b>
Aliados de Bolsonaro também querem restringir as decisões tomadas no Supremo por um único ministro, chamadas de "monocráticas". A deputada Bia Kicis (PL-DF) apresentou projeto de lei que amplia a possibilidade de recursos contra o que consideram "canetadas", permitindo a concessão de habeas corpus a tais decisões. A mudança beneficiaria parlamentares investigados pelo Supremo, como Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pela Corte e, depois, anistiado por Bolsonaro.
No pacote de confronto ao Judiciário também há a proposta de mudar os critérios de escolha de ministros do Supremo, hoje restrita ao presidente da República e submetida à aprovação do Senado. Há projeto sobre o assunto, patrocinado pelo Centrão, além de proposta tramitando no Congresso, como a instituição de uma lista tríplice para a indicação.
No café da manhã com Fux, senadores externaram o descontentamento com a quantidade de decisões individuais que ministros têm proferido contra leis aprovadas pelo Congresso. O magistrado respondeu que sua gestão foi responsável por ampliar a análise de ordens monocráticas em julgamentos no plenário virtual.
"Decisões monocráticas podem, eventualmente, ser substituídas por decisões colegiadas em temas que versem sobre outros Poderes. Tudo isso é possível de discutir, evidentemente com a participação do Judiciário, mas não parece que uma decisão de uma Corte Suprema possa ser revista por outro Poder que não tem atribuição constitucional de julgar casos concretos", disse Pacheco na saída do tribunal.
<b> FORA DA CURVA </b>
O líder do PL no Senado, Flávio Bolsonaro (RJ), negou que o governo queira confronto com o Supremo e tentou minimizar os ataques de seu pai à Corte. Nas palavras de Flávio, as críticas de Bolsonaro ao tribunal foram "um ponto fora da curva".
Além de Pacheco e Flávio, participaram da conversa com Fux os senadores Davi Alcolumbre (DEM-AP), Nilda Gondim (MDB-PB), Weverton Rocha (PDT-MA), Izalci Lucas (PSDB-DF), Nelsinho Trad (PSD-MS), Paulo Rocha (PT-PA), Álvaro Dias (Podemos-PR), Marcelo Castro (MDB-PI), Eduardo Gomes (PL-TO), Eliane Nogueira (Progresssistas-PI).
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>