O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vista (mais tempo para análise) e suspendeu nesta quarta-feira, 8, o julgamento sobre o chamado perfilamento racial.
Fux usou o instrumento para atrasar deliberadamente a conclusão da votação, já que nem todos os ministros estavam presentes na sessão.
"Nós estamos diante de um tema que reclama uma grande sensibilidade, uma grande responsabilidade, do plenário, mas o plenário não está completo", afirmou.
Ele se comprometeu a devolver o processo para julgamento na próxima sessão plenária em que o quórum estiver completo. "Acredito que isso será possível até a próxima quarta-feira", garantiu.
Os ministros Dias Toffoli, que adiantou o voto na semana passada, e Luís Roberto Barroso não participaram da sessão de hoje. O <b>Estadão</b> entrou em contato com a assessoria do tribunal para saber o motivo das ausências e aguarda resposta.
Após o pedido de vista, a presidente do STF, Rosa Weber, afirmou que também não pretendia encerrar a votação sem ouvir os votos de todos os ministros.
"Eu não encerraria o julgamento hoje, porque também entendo que, pela relevância do tema, ele merece que todos tenham condições de emitir o seu voto", disse.
<b>Entenda o caso</b>
O STF começou a julgar na semana passada um habeas corpus movido pela Defensoria Pública de São Paulo para tentar derrubar a condenação de um homem negro preso em flagrante com 1,53 gamas de cocaína.
O caso aconteceu em maio de 2020 em Bauru, no interior de São Paulo. Os policiais militares responsáveis pela abordagem relataram que avistaram um indivíduo negro em cena típica de tráfico de drogas , como se estivesse vendendo/comprando algo . A cocaína foi apreendida após revista pessoal.
O processo levantou a discussão sobre o perfilamento racial – quando as forças policiais usam a cor da pele como critério para suas abordagens. A Defensoria de São Paulo sustenta que a ação da Polícia Militar foi racista e que o homem só foi parado por ser negro.
<b>Voto do relator</b>
O ministro Edson Fachin, relator do processo, votou para derrubar a condenação por considerar que a abordagem foi motivada pela cor da pele e, portanto, ilegal.
"Se a referência à cor da pele fosse supérflua, ela não estaria ali no auto de prisão em flagrante, ela não seria o primeiro elemento indicado pelo policial para justificar a abordagem", argumentou. "O fato de ter sido encontrada droga após a realização da revista não justifica a busca."
Fachin afirmou ainda que, se o homem fosse branco e estivesse em outro bairro, muito provavelmente a cena não chamaria a atenção dos policiais.
"Por isso, existe sim racismo no Brasil. Muitas vezes ele é mesmo subliminar, mas não é sutil para quem sofre e é grave na forma como ele se manifesta no sistema de Justiça", lembrou o ministro.
Ele também sugeriu novas regras para as revistas policiais em todo o País:
– Que a busca pessoal sem mandado judicial deve ser motivada por elementos concretos e objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de provas;
– Que as abordagens policiais não podem ter como base raça, cor da pele ou aparência física ;
– Que a abordagem só pode ser feita se houver urgência e os policiais não puderem esperar um mandado judicial;
– Que os requisitos para a busca pessoal devem ser justificados pela autoridade responsável para ulterior controle do Poder Judiciário.
Embora tenha lido o voto na semana passada, o ministro pediu a palavra nesta quarta-feira para fazer uma nova defesa de sua posição.
"Em um país em que 75% das pessoas mortas em ações policiais são negras, a presença de qualquer elemento racial que possa sugerir um estereótipo deve ser objeto do mais rígido escrutínio judicial", argumentou.
<b>Divergência</b>
Os ministros André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Kassio Nunes Marques votaram para manter a condenação, mas ainda não se manifestaram sobre as diretrizes propostas por Fachin.
A avaliação deles é a de que a busca foi baseada em uma suspeita legítima. "Imaginemos um traficante contumaz, em um caso como esse, absolvido por perfilamento. Ele viraria um herói do nosso País e todo o esforço feito pelos grupos de combate ao racismo, por centenas de brasileiros que se irmanam para combater essa chaga, iria simplesmente para o ralo", defendeu Nunes Marques.