Mundo das Palavras

Gil sonha num sleeping bag

Naquele momento, a frase de Lennon “The dream is over” estava no ar – recorda Gilberto Gil, em seu site. Naquele início dos anos de 1970, ele e Caetano estavam exilados em Londres, depois de terem sido presos no Rio e confinados em Salvador, durante seis meses, pela Ditadura Militar, irritada com o movimento anárquico-libertário, o Tropicalismo, liderado por eles. 
 
Havia uma comunidade de artistas rebeldes brasileiros reunida em Londres: ele, Caetano, o pintor Antônio Peticov, os cineastas Júlio Bressane, Rogério Sganzerla e Péricles Cavalcanti, entre outros. Eles tinham passado uma semana num campo de Pilton, pernoitando em sacos de dormir, para que pudessem assistir o Festival de Glastonburys. Ali, Gil começou a criar a música “O sonho acabou” (“Quem não dormiu no sleeping-bag nem sequer sonhou”/ “Foi pesado o sono pra quem não sonhou”). 
 
Conta Gil: “A gênese da música se relaciona com o amanhecer do dia da retirada, quando nos preparávamos para voltar. Olhando as barracas sendo desarmadas e o acampamento abandonado, os restos todos no chão, me veio a sensação de que o sonho acabou, no sentido de que era o fim do festival. Mas também de um sonho muito especial”. 
 
Este sonho especial era o de mudar o mundo, dando-lhe paz, fraternidade e justiça social. Do qual, de fato, muitos desistiram. Inclusive no Brasil. Jamais Gil. 
 
Passados três anos, ele pôde retornar ao País. Pouco depois, foi preso, de novo. Desta vez, condenado à internação num manicômio, por uso esporádico de maconha. Libertado, voltou, porém, a desafiar a intolerância fascista vigente no Brasil. Suas músicas “Pai e mãe” e “O veado”, foram vistas como pregações da homossexualidade. E uma tragédia estendeu até sua vida familiar as adversidades que enfrentava. Pedro Gil, baterista de 19 anos, seu filho, morreu num acidente de carro. 
 
Mas Gil se tornou ícone da cultura brasileira. E quando Lula foi eleito presidente da República, ele o ajudou a governar o País. Foi um ministro da Cultura digno, impecável. O que aumentou o ódio por ele dos conservadores intolerantes. 
 
Agora, aos 74 anos de idade, Gil, fisicamente fragilizado, tem se submetido a internações hospitalares. Seus opositores acreditaram, então, poder atingi-lo, com comentários desumanos e preconceituosos postados na internet. Na verdade, conferiram a Gil outra homenagem. Reavivaram o Gil anarquista-libertário – nu, na montagem fotográfica de Rafaela Coimbra -, que nunca saiu do sleeping bag. A trincheira de defesa dos seus sonhos generosos.        
 
 
 

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