Estadão

Gilberto Braga criou personagens icônicos e tramas cativantes

O ano era 1988 e o Brasil parava para pensar e tentar descobrir quem seria o assassino da toda-poderosa Odete Roitman. Não havia quem não tivesse um palpite, até mesmo bolões eram organizados para quando enfim o mistério fosse desfeito. Personagem emblemático da novela Vale Tudo vivido com maestria por Beatriz Segall e que marcou toda uma geração de autores foi criado pelo jornalista e dramaturgo Gilberto Braga, que morreu na terça-feira, 26, aos 75 anos.

Vale Tudo marcou época, não apenas pela trama muito bem construída, em tom de suspense que fez com que os noveleiros de plantão e não só esses recusassem compromissos marcados para o horário da novela. Não se perdia um capítulo sequer, era a conversa que reinava nas rodas de amigos, nos locais de trabalho, nos lares. Gilberto Braga colocou em cena, além de tudo, personagens que conquistaram o público e que vieram a marca a carreira dos artistas envolvidos. Como não lembrar da Heleninha, vivida por Renata Sorrah, ou a inescrupulosa Maria de Fátima, interpretada por Gloria Pires, e que nos fazia odiá-la ao fazer sua mãe, Raquel Accioli (Regina Duarte), comer o pão que o diabo amassou? Além de discutir temas sociais, novela escancarou a questão da corrupção no País, da impunidade.

Mas a trajetória ascendente de Braga começou bem antes. Foi em 1976 que o dramaturgo conheceu o sucesso, quando escreveu A Escrava Isaura, que se tornaria uma das marcas da Globo, sendo vendida para inúmeros países, como o foi também Vale Tudo. Não foi fácil acompanhar a triste história da escrava branca Isaura (Lucélia Santos), que pertence ao pior dos vilões, Leôncio (Rubens de Falco). Gilberto Braga fez o País conhecer essa trama e sofrer junto com a protagonista, além de novamente criar um personagem com todos os requisitos para ser odiado pelo Brasil inteiro.

Em 1978, seria a vez de ocupar o horário mais nobre da emissora com Dancin Days, um de seus maiores sucessos, com Sônia Braga vivendo a ex-presidiária Júlia Matos, que retorna à liberdade pronta para arrebentar na pista de dança e travar embate com o passado, em um duelo feroz com a irmã Yolanda Pratini (Joana Fomm). Braga colocou aí a luta de uma mulher pelo direito de ter uma vida normal e de pelo reconhecimento e amor da filha, Marisa, que aqui foi interpretada por Gloria Pires.

Entre uma novela e outra, Gilberto Braga assinou duas minisséries que estão guardadas com carinho pelo público. Foi com Anos Dourados, em 1986, que ele fez sua incursão no gênero mais compacto. Trama que mostrava os preconceitos de uma sociedade, foi ali que despontou como protagonista a jovem Malu Mader. Ela vivia Lurdinha, que se apaixonava por Marcos (Felipe Camargo). Ela, de uma família tradicional, ele, estudante de escola militar e filho de pais separados. Em meio à história de amor proibido, Braga colocava em cena questões como virgindade, sexo e traição. Novamente um prato cheio colocado para o público refletir sobre relacionamentos. Isso sem contar com a trilha sonora incrível, como o tema de abertura composta por Tom Jobim.

Outra incursão de sucesso pelas novelas curtas foi com Anos Rebeldes, isso em 1992. Entraria em cena um Brasil tumultuado em meio aos ditames de uma pesada ditadura militar. O retrato feito por Braga mostrava uma juventude integrando o movimento estudantil, isso entre 1964 e 1979, no Rio de Janeiro. Nesse emaranhado estão dois jovens, Maria Lúcia (Malu Mader) e João Alfredo (Cássio Gabus Mendes), que vivem um relacionamento conflitante, com cada um com uma visão diferente daquele momento.

Mas Gilberto Braga foi além e nos brindou com mais com mais algumas novelas que demonstram seu poder criativo. Foi assim que, em 2003, nos agraciou com a novela Celebridade, colocando ali a disputa ferrenha entre duas mulheres, algo entre o bem e o mal, mas ambas cativantes. Novamente em cena estava Malu Mader, agora como a empresária dona de uma produtora e ex-modelo Maria Clara Diniz, que irá enfrentar as artimanhas e maldades de todo tipo de Laura da Costa (Cláudia Abreu). Entre as cenas mais marcantes escritas por Braga, a briga das duas em um banheiro ficou para a história da teledramaturgia.

Em sua última novela, Babilônia (2003), Braga não só colocou no ar uma trama de sucesso, mas também colocou com naturalidade um relacionamento entre duas senhoras atrizes. Víamos logo no início do folhetim o amor entre Teresa Petrucceli (Fernanda Montenegro) e Estela Amaral (Nathália Timberg). Mas essa seria também uma obra marcada por tramas mais pesadas, o que não agradou muito o público.

Gilberto Braga teve tantas outras obras, mas por essas ele certamente será lembrado como sendo um dos grandes autores da teledramaturgia.

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