Gloria Kalil fez Sociologia, trabalhou na indústria têxtil e no varejo, até trazer a marca italiana Fiorucci para o Brasil, nos anos 1980. Reina por décadas nesse mundo tão efêmero da moda, como ícone do que é chique e fashion, dando dicas de etiqueta, escrevendo best-sellers, falando na TV e no rádio sobre o que vestir e como vestir. "Já fiz de tudo um pouco nesses meus 200 anos de moda", diz ela, rindo. Só faltava uma coisa, que não falta mais: assinar uma coleção de roupas.
Na terça, 4, Gloria lança parceria com a marca paulistana Egrey, do diretor criativo Eduardo Toldi. Trata-se de uma collab, expressão usada para definir a participação especial de um designer, artista ou estilista na criação de uma coleção específica. "Esse tipo de colaboração deu uma oxigenada no mercado da moda, que precisava de renovação", diz ela. Eduardo completa: "Essa troca significou um grande aprendizado. Deixei a Gloria livre para interpretar nossa identidade e contar nossa história da forma dela".
<b>Como surgiu a ideia de desenhar roupas em colaboração com a Egrey?</b>
Na verdade, eu me ofereci. Foi um convite ao contrário. Pensei: "Se tivesse de fazer uma collab com alguém, com quem faria?". E só podia ser a Egrey. Tenho muito a ver com a marca. Propus ao Eduardo e ele topou.
<b>Nunca havia feito nada nesse sentido? Foi um desafio pessoal? </b>
Nada, era só uma cliente exigente. Foi um acontecimento, mas não pretendo seguir carreira de estilista. Nunca quis criar uma coleção, quis montar e editar uma. Depois que falei com Eduardo, pensei: "Que ideia é essa, onde estou me metendo?". Aí fui olhar minhas coisas e percebi que tenho roupas que chamam a atenção. Tenho um estilo clássico com twist. Um detalhe, uma manga, uma proporção… Na coleção, conseguimos um milagre. São cerca de 15 modelos, com panos e variações de cores. Tem uma saia pareô que já deve ter me visto usar há uns 15 anos. Fizemos três versões diferentes dela, uma brilhante, uma com estampa com inspiração africana e outra de veludo.
<b>Na década passada, vimos grandes redes de varejo trazendo figuras criativas consagradas para colaborar. O que mudou?</b>
Antes as redes atraíam nomes, que não necessariamente tinham identidade com a marca. Era uma imagem comercial, mais do que qualquer coisa. Não precisava existir afinidade. Hoje sim. As collabs traduzem a identidade das pessoas que se juntam.
<b>Quais elementos da coleção você destaca?</b>
Uma blusa de jersey preta que vai com tudo, um trench coat transparente e uma camisa com volume, inspirada em uma peça que tirei do baú, e que tenho há mais de 30 anos. Tem também brincos de argola e correntes, que uso sempre. É uma coleção pensada para ser ageless, timeless e seasonless. Ou seja, não tem idade, tempo e estação.
<b>A pirâmide etária do Brasil está virando, e nos próximos anos veremos o envelhecimento da população. Como fica a questão da maturidade da mulher?</b>
Tudo é uma questão financeira. Nos anos 60, os jovens viraram formadores de opinião e consumidores, a moda passou a ser baseada nos jovens. Quando lancei o primeiro livro, em 1997, e comecei a fazer palestras, a reclamação era de que não tinha roupa para gordas. Hoje, esse mercado aumentou muito. Com a mulher mais velha é a mesma coisa. Até ontem, só tinha roupa para jovem. Agora, a mulher está cada vez mais independente, tem uma vida ativa emocional, sexual, sentimental e profissional prolongada, então começa a ser contemplada pela moda, porque é uma consumidora importante.
<b>Nos últimos 10 anos, houve uma pulverização da informação de moda. Você diria que a brasileira está se vestindo melhor?</b>
Vamos dizer que não é por falta de oportunidade nem por falta de oferta. Tem de tudo, em todos os lugares e para todas.
<b>Quando você lançou seu site e seus livros, a moda tinha um tom ditatorial. Como você se coloca nesse mundo livre de regras?</b>
A ideia de pirâmide com a alta-costura no topo mudou. Hoje quem dita é a rua. As blogueiras representam essa pulverização. Tem blogueiras para todas as bolhas, os nichos se multiplicaram.
<b>Essa chamada "poligamia criativa" é algo muito contemporâneo, com profissionais caminhando por diferentes papéis. O que acha disso?</b>
Todo mundo está tendo de se arriscar em novas áreas e procurar outras possibilidades. Faz parte desse 2020 e de vindouros anos. A gente se transforma junto.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>