Clash the Titans – um choque de Titãs. Durante todo o tempo de Godzilla Vs. Kong, o diretor Adam Wingard recorre à lenda grega. Os Titãs foram precursores dos deuses e o mais famoso deles, Cronos, devorou os próprios filhos. Não eram completamente humanos, podiam metamorfosear-se em animais. Na fantasia da Warner, Kong vive seguro numa reserva construída especialmente para ele. Surge Godzilla das profundezas do mar. São inimigos ancestrais, e o choque é inevitável. Mas, atenção, nada disso está sendo provocado pela natureza de cada um.
No pós-Oscar, a indústria mobiliza-se para (tentar) faturar. Godzilla Vs. Kong é a superestreia – em tamanho – desta quinta, 29. Há na trama, um vilão, dono de uma megaempresa, que criou um Godzilla high tech – MechaGodzilla -, com o qual pretende destruir o original e dominar o mundo. O Mecha é um boneco gigantesco, operado por um piloto e acionado por uma energia ancestral que só existe na Terra Oca. Em vez de fogo, cospe um raio demolidor. Como ondas sucessivas, o longa estrutura-se nos choques entre Godzilla e Kong, entre as duas versões de Godzilla e, finalmente, o combate decisivo, contra o Mecha. Durante todo o tempo, o espectador é preparado para o que parece ser a verdade absoluta – no mundo, só existe espaço para um Titã. Será?
Godzilla Vs. Kong inscreve-se numa nova tendência de Hollywood que já tem alguns anos – o Monsterverse. A Warner sacou que ainda haveria um público jovem para essas velhas histórias, desde que repaginadas com muitos efeitos. Rememorando: o gênero Kaiju, de monstros, surgiu em 1954 no Japão, com o Gojira original, direção de Inoshiro Honda. Godzilla, o Rei dos Monstros. A rosa atômica de Hiroshima prostara o país. Com ajuda econômica dos EUA, o Japão (re)ergueu-se, mas o fantasma da bomba atômica produziu uma ficção que refletia o imaginário afligido – deformações, monstruosidades.
Dez anos mais tarde, o mesmo Honda criou Godzilla Contra a Coisa, e ela era a mosca gigante, Mothra. Na nova versão da Warner, Kong vira o herói da história. Como Jordan Vogt-Roberts já havia feito em A Ilha da Caveira, o diretor Wingard agrega mitologias (e influências). Qualquer cinéfilo digno desse nome sabe que existem dois temas clássicos no cinema norte-americano – o retorno ao lar (home) e a segunda chance. Kong quer voltar para casa, e é onde está a fonte de energia. A viagem ao Centro da Terra foi proposta pelo francês Jules Verne em seu clássico de ficção científica de 1864. Em 1930, Tarzan refez o mesmo caminho num livro emblemático – o 13º numa série de 24 – de Edgar Rice Burroughs. A Terra Oca desse último chamava-se Pellucidar e era habitada por animais antediluvianos.
Para dar liga nas histórias dos monstros, Wingard recorre aos humanos. Em boa parte dessas aventuras, tem sempre o ás da internet que usa as novas ferramentas para denunciar teorias da conspiração. Tem também os conflitos familiares – de pais e filhos. Existem elementos de Godzilla Vs. Kong que poderiam fazer do experimento de Wingard um filme melhor. A garota órfã, Jia, é surda e comunica-se com o gorila gigante por meio de sinais. Terminam por formar uma família. Honda já havia feito um Godzilla contra King Kong em 1963 e, no confronto com Mothra, havia as duas garotas gêmeas que cantavam numa frequência que lhes permitia comunicar-se (controlar?) com a super-Mosca.
Em plena pandemia, o lançamento de Godzilla Vs. Kong em salas especiais visa atrair o público reticente às salas Imax. A indústria vive um momento de crise. Tenta chamar os espectadores pelo gigantismo. Wingard tira Nova York do sufoco e o grand finale é em Hong-Kong, com a cidade de vidro e neon sendo reduzida a frangalhos. Seria, ou é, a parte chata do filme, porque a mais previsível. Com todas as suas qualidades técnicas de super-blockbuster, Godzilla Vs. Kong talvez tenha um (outro) problema. Em vários momentos – hangares imensos, a desolação da Terra Oca -, o próprio Kong é reduzido à sua insignificância. É um problema de proporção. O rei Kong, por sua essência, não pode ser reduzido a esse nada.