O torcedor do Flamengo tinha tudo para deixar o Maracanã satisfeito na terça-feira. O time vencia seu último compromisso na fase de grupos da Copa Libertadores por 2 a 0, diante do Sporting Cristal, quando o goleiro Hugo voltou a falhar debaixo das traves, garantindo o gol de honra ao adversário. Após o confronto, o jogador de 23 anos foi vaiado e voltou a ter o seu nome questionado nas redes sociais – algo recorrente nos últimos meses em sua carreira. Apesar de o jovem seguir com o respaldo do técnico Paulo Sousa, que também não vive bom momento com a torcida, a pressão das arquibancadas para mudanças na posição é cada vez maior. Mas, afinal, como um garoto tão promissor pode dar a volta por cima?
"Falhas sempre existem. Procuramos sempre melhorar para caminharmos próximos da perfeição. Nessa campanha, o Hugo sofreu um gol. É algo que procuramos estabilizar, com ele e todos os outros jogadores do time. Procurar dar confiança para tomarmos as melhores decisões, por vezes não tomamos as melhores decisões. Mas temos de saber ultrapassar essas situações", disse Paulo Sousa após o jogo.
Considerado uma joia da base rubro-negra, Hugo já foi alvo de sondagens do Ajax, da Holanda, e possui no currículo uma convocação por Tite para a seleção brasileira. Desde a chegada de Paulo Sousa, em janeiro, o goleiro passou a ganhar espaço, especialmente com as lesões de Diego Alves. Porém, os consecutivos erros sob as traves fizeram a diretoria buscar reforço para a posição. O experiente Santos, ex-Athletico Paranaense, foi contratado para ser a solução, mas uma lesão muscular grave deu sobrevida a Hugo no gol do Flamengo.
Para Gilmar Rinaldi, goleiro campeão brasileiro pelo Flamengo, em 1992, e com passagens por São Paulo e pela seleção, a pressão sempre vai estar presente na formação de um goleiro e as falhas podem servir de aprendizado. "Um grande goleiro se forja na dificuldade e na pressão, principalmente depois de erros que ele cometer. O que vai definir a carreira dele vai ser o comportamento depois disso", diz Gilmar.
Ainda de acordo com o ex-goleiro, o prestígio conquistado na base rubro-negra pode "jogar contra" o goleiro quando a torcida não se sente correspondida. "Criaram uma expectativa muito grande em cima dele, agora a pressão é proporcional. Cabe a ele controlar isso, não tenho dúvidas que ele vai ser um grande goleiro, tem de ter sequência e amadurecer."
A confiança depositada pela torcida atuando de forma corrosiva na confiança do atleta é citado por João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, como um dos fatores para a queda de rendimento do jogador. Ele recorda que, anos atrás, o Flamengo tinha no corpo de sua equipe um "excelente" profissional da psicologia esportiva no futebol. Atualmente, é um dos poucos times que não contam com um psicólogo para o seu plantel.
"Grandes clubes da Europa contam com departamento de psicologia do esporte em que acontecem trabalhos de tecnologia para aumentar a concentração, diminuir a ansiedade, melhorar o tempo de reação. Tudo isso impacta na confiança", explica. "Essa quase rejeição do Flamengo pelo trabalho psicológico já deixou marcas importantes, com atletas que tiveram de buscar um apoio profissional fora do clube. Imagino que não esteja sendo fácil para o Hugo manter a alta performance diante de tanta pressão. O atleta precisa de um equilíbrio psicológico e emocional para servir como base do seu rendimento esportivo. Você pode ter um treinamento físico potente, mas sem o lado emocional você acaba formando atletas com corpo de aço e base de barro."
A situação no gol do Flamengo ficou ainda mais complicada com a crise entre Paulo Sousa e Diego Alves, que agitou a cúpula rubro-negra nas últimas semanas. O treinador português teria ficado irritado com o veterano por ele se colocar à disposição mesmo com um problema no púbis, o que foi negado pelo goleiro. Posteriormente, o técnico afirmou que o atrito foi causado por uma "falha de comunicação" e colocou panos quentes no assunto. A rusga aumentou a pressão da torcida na comissão técnica pelo retorno de Diego Alves à titularidade.
Para Emerson Leão, goleiro com passagens vitoriosas por Palmeiras, Grêmio e seleção brasileira, a situação no gol do Flamengo vai além de Hugo. Segundo o ex-técnico campeão brasileiro e paulista como treinador por Santos e São Paulo, respectivamente, a rotatividade na meta rubro-negra expõe a falta de confiança da diretoria na posição, bem como as buscas por peças no mercado, como a contratação de Santos.
Leão ressalta ainda que o goleiro "já não é tão novo" e acredita ser muito difícil que Hugo consiga reverter a desconfiança criada pela torcida, sugerindo até mesmo uma mudança de ares. "Com 23 anos, eu estava jogando a minha segunda Copa do Mundo. Às vezes trocando de time, indo até mesmo para um rival, ele pode se realizar. Tem horas que o atleta tem de ter amor próprio e mostrar tranquilamente que pode ser outro em um lugar novo."
PECADO
Hugo Souza estreou pelos profissionais do Flamengo em 2020, tendo destaque no empate por 1 a 1 com o Palmeiras, no Allianz Parque, pelo Brasileirão. A confiança do goleiro, porém, começou a ser minada ainda naquela temporada com uma clamorosa falha nas quartas de final da Copa do Brasil, contra o São Paulo. Hugo tentou driblar Brenner dentro da área e acabou perdendo a bola, deixando o caminho livre para o tricolor fazer 2 a 1 na estreia de Ceni no time carioca.
O Flamengo acabou levando o título do Brasileirão em 2020, mas por pouco não deixou o troféu escapar na última rodada, quando empatou em 2 a 2 com o São Paulo, no Morumbi, por causa de lances atabalhoados de Hugo. No primeiro gol, ele armou mal a barreira e deixou o canto livre para Luciano marcar de falta. Já, no segundo, entregou a bola no pé do adversário, resultando no gol de Pablo. Graças ao empate do Internacional, o título foi para a Gávea.
Somente neste ano, Hugo já acumula ao menos mais quatro falhas no gol do Flamengo. Na final da Supercopa do Brasil, rebateu um chute de longe no pé de Nacho Fernández, do Atlético-MG, que botou a bola nas redes. Nos pênaltis, desperdiçou a cobrança do título. Pelo Brasileirão, a torcida o acusou de ir com a mão "mole" no gol de Erison na derrota por 1 a 0 no clássico com o Botafogo, uma pancada de fora da área, e o culpou pelo gol que decretou o empate com o Ceará, no Castelão, quando foi encoberto em batida de falta na lateral da grande área. Hugo não tem dado entrevistas.