Estadão

Gonet dribla inquérito das fake news e diz não usar Bíblia como Constituição

Em uma sessão lotada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, o subprocurador-geral da República Paulo Gustavo Gonet Branco, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para comandar a Procuradoria-Geral da República (PGR), se apresentou nesta quarta-feira, 13, como um candidato técnico e evitou bandeiras políticas.

A sabatina desta quarta é a prova de fogo do subprocurador, que passou as últimas semanas em um "beija-mão" aos senadores para tentar reunir os votos necessários. Parlamentares da base do governo e de oposição têm como certa a aprovação.

Antes das perguntas, o candidato pode fazer uma exposição. Como é de praxe, Gonet focou na vida profissional e no currículo, sem antecipar polêmicas que seriam suscitadas pelos senadores nas perguntas.

Jurista de carreira, o subprocurador fez a leitura de uma apresentação preparada previamente e pregou a defesa de valores como liberdade, igualdade, fraternidade e segurança material e jurídica. Também prometeu uma atuação "técnica, consistente e metódica".

"Sempre imaginei que, sem uma apurada visão técnica dos direitos fundamentais, a riqueza inerente à sua proclamação pelo constituinte perderia a força vinculante que lhe é própria, e se abateria o ideal de máximo respeito à dignidade da pessoa humana. Daí a urgência do seu tratamento mediante abordagem técnica, consistente e metódica", afirmou.

Gonet chegou ao Senado acompanhado de auxiliares e dos três filhos. A procuradora-geral interina, Elizeta Ramos, também está na CCJ para apoiar o colega. Ela exerce um mandato-tampão desde o final de setembro, quando chegou ao fim a gestão de Augusto Aras, que deixou o comando da PGR após ter sido indicado e reconduzido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

<b>Inquérito das fake news</b>

O subprocurador foi questionado pelos senadores Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição, e Esperidião Amin (PP-SC) sobre o inquérito das fake news, aberto de ofício pelo então presidente do STF, Dias Toffoli, em março de 2019, com base no regimento interno do tribunal, e distribuído sem sorteio ao ministro Alexandre de Moraes. A investigação sobre notícias falsas e ataques contra as instituições fechou o cerco a bolsonaristas.

O inquérito foi questionado por Aras, que chegou a pedir a suspensão da investigação, por falta de delimitação e pelo que o então chefe da PGR via como uma tentativa de escanteamento do Ministério Público. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) também já fez críticas ao inquérito.

Gonet evitou responder, sob o argumento de que não tem detalhes do caso, mas prometeu defender as prerrogativas do Ministério Público. "Qualquer menção, qualquer avaliação que eu fizesse, seria leviana no sentido de que não conheço o processo na sua inteireza", afirmou.

"Seria um desrespeito a Vossas Excelências eu me manifestar de modo leviano sobre algum assunto que eu não domino plenamente. Opiniões vagas, neste momento, não creio que seja o que os senhores querem ouvir."

Paulo Gonet negou ser contra cotas para minorias sociais, como negros e indígenas, mas defendeu que a reserva de vagas em universidades públicas e concursos, por exemplo, seja definida exclusivamente pelo Congresso Nacional e tenha um prazo determinado. "Se o problema que a cota quer resolver já for solucionado ao longo do período, ela deixa de se justificar", disse.

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O tema foi levantado na sabatina porque o subprocurador escreveu um artigo, publicado em 2002, com ressalvas às ações afirmativas. O texto fala em "discriminação reversa". O subprocurador disse que o artigo foi "descontextualizado" e que o termo era "bem aceito" na época da publicação.

"Em nenhum momento, eu disse que era contrário às cotas. E agora eu posso reafirmar: sou favorável às cotas, respeitadas as necessidades que as recomendam", concluiu.

<b>Criminalização da homofobia</b>

Questionado pelo senador Fabiano Contarato (PT-SC) sobre a criminalização da homofobia, equiparada pelo STF ao crime de racismo em 2019, e sobre os direitos da população LGBTQIA+ à união estável e à adoção, Paulo Gonet disse que, como jurista, respeita o que está previsto na legislação e que, pessoalmente, é a favor do reconhecimento desses direitos. "Não tomo a Constituição como Bíblia nem a Bíblia como Constituição", respondeu.

<b>Inelegibilidade de Bolsonaro</b>

Gonet ganhou notoriedade ao defender a condenação de Bolsonaro no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que deixou o ex-presidente inelegível por oito anos por espalhar notícias falsas sobre as urnas.

O subprocurador afirmou que fez um "estudo apurado" do processo antes de redigir o parecer em nome do Ministério Público Eleitoral.

"Os fatos que foram apurados pareciam estar enquadrados na hipótese prevista na lei. A lei ligava a esses fatos a consequência da inelegibilidade. O que eu fiz foi apenas seguir o que a lei determinava. Se Vossas Excelências acham que há de haver uma recomposição desse tipo eleitoral, não cabe a mim elaborar essa redefinição. É uma atividade estritamente do órgão legislativo", explicou.

<b>Sabatinas simultâneas</b>

A sessão começou com uma hora de atraso, depois que senadores de oposição tentaram, na última hora, impedir a sabatina simultânea de Paulo Gonet e do ministro Flávio Dino, indicado por Lula ao Supremo Tribunal Federal (STF). O modelo deve favorecer Dino, que enfrenta mais resistência no Senado. O movimento da oposição foi barrado pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP), presidente da CCJ, que manteve o rito programado.

Antevendo o placar mais apertado para a aprovação de Dino, Lula exonerou quatro ministros que são senadores – Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária), Camilo Santana (Educação), Renan Filho (Transportes) e Wellington Dias (Desenvolvimento Social) – para reassumirem seus mandatos e garantir mais votos.

Após as sabatinas, as indicações são votadas na comissão e, na sequência, precisam passar pelo crivo do plenário do Senado. O resultado na CCJ é instrutório, ou seja, é uma opinião da comissão, mas não afeta no plenário. É de praxe que as votações ocorram no mesmo dia, de modo que a tendência é que os resultados sejam conhecidos até o final desta quarta. A aprovação depende de maioria simples (41 votos) no plenário. A votação é secreta e presencial.

<b>Perfil</b>

Paulo Gonet tem o apoio dos ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, de quem foi sócio no Instituto de Direito Público (IDP). Os dois também têm uma parceria acadêmica e publicaram um livro juntos.

Católico, o subprocurador já se manifestou contra a descriminalização do aborto em um artigo publicado em 2008. Também foi contra o reconhecimento de culpa do Estado por perseguições a opositores da ditadura militar (1964-1985) ao representar o Ministério Público na Comissão de Mortos e Desaparecidos.

Formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Gonet tem mestrado em Direitos Humanos Internacionais pela Universidade de Essex, na Inglaterra, e doutorado em Direito, Estado e Constituição pela mesma UnB. Integra os quadros do MPF desde 1987, onde foi vice-procurador-geral eleitoral e diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União. Foi promovido a subprocurador-geral em 2012.

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