Para fotografar bem nu feminino é preciso gostar de mulher, sustenta André Arruda, autor de Fortia Femina, um ensaio com imagens criativas de jovens despidas que despertou a atenção da imprensa no Rio de Janeiro e em São Paulo. E isto – André acrescenta -, não significa só gostar de fazer sexo com ela. É algo mais profundo, ligado à admiração pelo chamado universo feminino.
Ninguém, porém, se anime, ingenuamente. Deste universo, os homens têm apenas breves apreensões. Às vezes, de modo inesperado e curioso. Como ocorreu com o jornalista mineiro José Maria Rabelo. Num período em que complementava seu salário com o exercício do magistério, ele entrou num elevador de sua escola – sua bata ainda cheia de pó de giz, na altura de seu peito. A seu lado, instalou-se uma aluna. A porta do elevador foi fechada. E, para espanto de Rabelo, a aluna, sem dizer nada, esticou o braço e delicadamente limpou com as pontas dos dedos, o pó de giz na bata. Rabelo, imediatamente, compreendeu: aquela jovem, praticamente desconhecida, o amava. Muitos anos depois de casados, com uma vida em comum já transcorrida, Rabelo dizia para ela, brincando: “Está vendo? Continua limpando minha bata até hoje”.
Outra “súbita sensação de entendimento da essência de algo” relacionada à mulher foi experimentada pelo cronista Antônio Prata. Ele apropriadamente chamou tal sensação de epifania, pois esta palavra, de fato, se refere a este tipo de experiência emocional-intelectual. Prata a teve numa cena caseira, enquanto observava a esposa esvaziar a mala que ela trouxera de uma viagem ao Exterior. De repente, no meio das roupas transportadas entre dois continentes, surgiu uma jarra de suco grande e bonita. A mulher explicou: iria usá-la durante os lanches do casal. Prata escreveu: “Que coisa curiosa é uma mulher! Que coisa incrível! Jamais me ocorreria comprar uma jarra de suco”.
Neste esquivo e inapreensível universo o compositor e escritor Chico Buarque seria uma autoridade. Título que ele recusa, enfaticamente. No documentário “À flor da pele”, Chico diz: “Há sempre para mim um grande mistério na alma feminina. Gosto de ver como elas se movem, raciocinam, reagem diante das coisas. Mas a surpresa é algo que nunca acaba”.
Gostar de uma mulher, então, talvez implique na resignação de quem sabe que pode apenas observá-la com atenção e curiosidade, sabendo que, vez por outra, vai se surpreender – e se encantar – com a peculiaridade do comportamento dela. Mas apesar das dificuldades de previsão e entendimento do comportamento tipicamente feminino – os “motivos de mulher”, como os chama Chico naquele depoimento – há artistas da música popular brasileira, capazes de uma grande proeza: a de criarem personagens femininas densas a ponto de manifestar complexos sentimentos em relação aos homens.
Uma delas, criada pelo próprio Chico, diz: “Mal sei como ele se chama, mas entendo o que ele quer. Se deitou na minha cama e me chama de mulher. Foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não, se instalou feito um posseiro, dentro do meu coração”. Outra, criação de Caetano Veloso, se expressa assim: “Ah! Esse cara tem me consumido, a mim e a tudo que eu quis, com seus olhinhos infantis, como os olhos de um bandido”. Antes deles, houve artistas da MPB que inventaram mulheres igualmente ricas, do ponto de vista emocional-psicológico. Como Assis Valente. Sua personagem lamenta: “Meu moreno fez bobagem. Maltratou meu pobre coração. Aproveitou a minha ausência e botou mulher sambando no meu barracão”. A personagem de Paulo Vanzolini diz ao amado: “De noite eu rondo a cidade a te procurar, sem encontrar. No meio de olhares espio, em todos os bares. Você não está. Volto pra casa abatida, desencantada da vida”.
Estes letristas, obviamente, gostavam muito de mulher. Por isto quiseram produzir bem seus nus femininos. De outro tipo, claro.