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Governadores driblam orçamento e repassam R$ 1 bilhão extra a TJs e MPs

Sem pedir aval às respectivas Assembleias Legislativas, os governos de São Paulo, Bahia, Paraná e Tocantins repassaram mais de R$ 1 bilhão em créditos adicionais para pagar salários de representantes de Tribunais de Justiça e Ministérios Públicos somente em 2021. Mais da metade desse valor se refere ao sistema paulista. Em ano de pandemia, os gastos com salários de servidores e subsídios de magistrados estaduais superaram as folhas de pagamento de toda a estrutura de pessoal da saúde nos Estados mencionados.

Os dados são de um levantamento da plataforma Justa, especializada em pesquisa sobre gestão do sistema de Justiça, obtido pelo <i>Estadão</i>. Têm como base as regras determinadas pelas Leis Orçamentárias Anuais (LOAs) aprovadas pelos deputados estaduais com os valores a serem distribuídos a cada pasta ou Poder no ano seguinte.

Somados, os Tribunais de Justiça de São Paulo, Bahia, Paraná e Tocantins receberam no ano passado R$ 591 milhões em créditos adicionais sem aprovação dos Legislativos. Já a parcela extra repassada aos Ministérios Públicos dos mesmos Estados foi de R$ 420 milhões (veja quadro nesta página). Os valores alteraram a hierarquia determinada para os gastos estaduais em 2021.

Na Bahia, a decisão do governador Rui Costa (PT) de liberar mais R$ 291 milhões ao sistema de Justiça fez com o que os orçamentos do TJ-BA e do MP-BA superassem, por exemplo, as verbas destinadas em 2021 a Ciência e Tecnologia (R$ 87 milhões), Cultura (R$ 167 milhões) e Habitação (R$ 50 milhões).

No ano passado, a LOA deu a Costa a possibilidade de remanejar até 30% do orçamento sem a necessidade de pedir nova aprovação à Assembleia. Em geral, essa brecha varia de 17% (caso de São Paulo) a 30%, e é aprovada pelos deputados ao debater as LOAs. Costa foi anunciado na semana passada pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva como o próximo ministro da Casa Civil.

Mas foi o governo de São Paulo, gerido por João Doria (PSDB) em 2021, que puxou a lista de gastos extras. Foram R$ 546 milhões em créditos adicionais, a maior parte para o MP. Os repasses compuseram um orçamento já elevado do sistema de Justiça paulista e que, mesmo durante a pandemia, só cresceu – ano passado, a alta no orçamento do TJ-SP foi de 7% em relação a 2020, alcançando R$ 10 bilhões.

A cifra superou a soma reservada para custeio e investimento de dez secretarias estaduais paulistas, entre elas Gestão Ambiental (R$ 2,3 bilhões), Habitação (R$ 2,2 bilhões) e Assistência Social (R$ 1,2 bilhão). Também foi mais alta que toda a estrutura financeira da USP e da Unicamp em 2021, as maiores universidades estaduais, cujos orçamentos somaram juntos R$ 8 bilhões.

Em todos os casos apontados no estudo, os subsídios e salários dos TJs ainda superaram os vencimentos somados das quatro secretarias estaduais de saúde. Em São Paulo, por exemplo, a folha de pessoal é de R$ 5,7 bilhões ao ano.

<b>Controle</b>

A diretora executiva da Justa, Luciana Zaffalon, considera que o pleito por cada vez mais créditos ao Judiciário faz parte de um discurso de gestão, na contramão do interesse público, e com consequências políticas. "Os resultados da nossa análise tornam difícil refutar a suspeita de que haja uma negociação política que leva a uma rotina de neutralização da independência judicial", disse.

De acordo com Luciana, as mesmas instituições que pleiteiam créditos adicionais atendem a pedidos dos governos estaduais para impedir novas despesas, como no caso de compra de medicamentos ou de abertura de leitos de UTI. "Há um contrassenso. Como você pode admitir que o mesmo sujeito que está suspendendo a garantia de direitos por zelo com a economia pública receba essa quantidade de créditos adicionais?"

O especialista em Direito Público Adib Kassouf Sad defende a autonomia do Poder Judiciário no que diz respeito ao planejamento orçamentário, para que se evite justamente que a instituição fique com o "pires na mão". "Não me parece algo muito republicano, ainda mais quando sabemos que o Judiciário é responsável por averiguar irregularidades dos demais Poderes", disse.

Já o cientista político Rafael Cortez ressalta que decisões do tipo deveriam passar pelo Legislativo para dar publicidade ao processo. "Me parece que muitas vezes a questão de definição orçamentária para salário é feita de uma maneira distanciada. Há um momento em que os Poderes acabam fazendo um certo conluio para isso ficar escondido do controle público. O processo decisório não é muito feito à luz do jogo democrático", afirmou.

Cortez ainda chama atenção para o "timming" dos repasses extras, em meio a debates de ajustes fiscais no País. "O processo decisório, quando envolve ajustes de salário, quase sempre consegue ser feito apartado de uma discussão pública mais ampla e isso ajuda a criar uma percepção de afastamento, de crise de representatividade. Ou, de que alguma maneira, a despeito da separação formal, os membros que ocupam os diferentes Poderes acabam criando uma casta ", afirmou.

<b>Previsão</b>

O TJ-SP contestou os valores do estudo. O órgão argumentou que R$ 103,5 milhões – e não R$ 218 milhões – foram abertos em créditos adicionais em 2021, sendo R$ 36 milhões para reposição de despesas com pessoal. "Todos os demais créditos foram com oferecimento de receita do próprio TJ-SP, sem aporte de recursos novos, apenas trocando uma destinação por outra", afirmou, em nota.

O governo de São Paulo, por sua vez, não negou os extras. "O Poder Executivo atende os pleitos do Poder Judiciário quando é possível realocar verbas já previstas no orçamento, sem acréscimo no gasto total da administração pública", informou, em nota.

Da mesma forma, o TJ-PR negou que tenha recebido recursos complementares no ano passado. "Recebemos apenas os valores previstos nas leis orçamentárias e que transitaram por todas as etapas legislativas", afirmou. A reportagem não teve resposta do gestão Ratinho Júnior (PSD).

Já o governo da Bahia, assim como o governo paulista, defendeu a concessão de créditos suplementares ao Poder Judiciário desde que condicionados à disponibilidade de caixa.

Em resposta aos questionamentos levantados pelos tribunais de São Paulo e do Paraná, a Justa ressaltou que as informações foram obtidas nos respectivos portais da transparência. "No caso de São Paulo, as despesas previstas para pessoal do TJ eram de R$ 7 bilhões na Lei Orçamentária e houve acréscimo de R$ 218 milhões. No Paraná, o valor acrescido foi de R$ 103 milhões", afirmou a entidade. As demais instituições não se manifestaram, assim como o governo do Tocantins.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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