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Governar sem se eleger

Aquele que consegue enxergar contextualmente uma situação reconhecerá que existe uma tendência a se destruir toda e qualquer modalidade de exercício de poder. Se é verdade que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente, não é menos verdadeiro que os holofotes dão destaque, mas também corroem a imagem.
 
Ainda agora a Reuters-Ipsos fez uma pesquisa ficcional sobre a eleição de Barack Obama em disputa com os artistas que interpretam nas séries que viraram epidemia o papel de Presidente da República. E o impoluto Obama perderia de todos eles, considerados em grau distante da ética e da lisura. Isso é explicado pela psicologia: os heróis de mentira, "bigger than life" (maiores do que a vida), têm a seu favor a suspensão da malquerença.
 
Não é o que acontece com quem exerce poder real. Qualquer espécie de poder. No mundo da sociopatia, dominado por trapaças, chantagens, propinas, cambalachos, as pessoas parecem colocar todos na mesma categoria.
Nem por isso a Justiça – que deve ser imparcial, técnica e serena – precisa embarcar na mesma canoa. E constata-se uma tendência a uma perigosa interferência na condução da coisa pública, função do governo, não necessariamente do Judiciário.
 
Há Prefeitos que uma semana estão no cargo e na outra o perdem. Vem o sucessor e detona o que vinha sendo feito. O afastado se vê obrigado a contratar advogados e a tentar restabelecer o quadro anterior, o que não é raro obtenha junto ao Tribunal. Até a sobrevinda de novo afastamento.
 
Os autores dessas iniciativas têm a mais saudável inspiração. Mas o resultado é danoso para o povo. Este é que sustenta a máquina e os entraves custam caro. A administração fica mais emperrada do que já é, pois depende do excesso de normatividade. Como exemplo, a lei de licitação. Por isso a delinquência leva as vantagens: é desenvolta para atuar. Consegue, à vista de parcela da população, melhores resultados.
 
Em boa hora, portanto, a lucidez de Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Paulo Lucon elaboraram um projeto de lei, apresentado à Câmara Federal pelo incansável Deputado Paulo Teixeira, a quem devemos a aprovação do novo Código de Processo Civil e que tomou o número 8058/2014. É uma lei que institui o processo especial para o controle e intervenção em políticas públicas para o Poder Judiciário. O excessivo uso das medidas judiciais para impedir que o eleito governe precisa ser controlado e o bom senso está sendo chamado a atuar.
 
É importante que todos os interessados examinem essa legislação. Mas muito mais importante seria a reflexão tranquila sobre o papel das instituições na fiscalização da gestão estatal. Não se pode simplesmente arredar a vontade dos eleitores que, democraticamente, elegeram aquele que entenderam o mais adequado a representá-los na administração das cidades.
 
Quem prefere administrar diretamente, precisa deixar a função incompatível com o exercício da política partidária, filiar-se a um partido político, disputar eleições e vencê-las. E torcer para que o seu trabalho não seja continuamente interrompido por verdadeira substituição no comando da administração municipal.
 
Vamos nos deter sobre o projeto e contribuir para o seu aprimoramento, se for o caso e para a sua imprescindível aprovação. Senão teremos um colapso nas administrações das cidades e se repetirão os casos de prefeitos que, extenuados, vão levar a chave das prefeituras ao gabinete de quem não os deixa governar.
 
José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo  
 

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