Em vigor durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, a política de modicidade tarifária – baseada no critério da oferta da tarifa mais baixa possível ao consumidor como definição dos leilões de concessão – tende a ser engavetada pelo governo. O efeito negativo é o encarecimento da conta de luz, no caso das concessões de energia elétrica, e do pedágio, nas de rodovias. Com essa política, o governo abandona a modicidade tarifária e reforça a política de “realismo tarifário”.
Ao jornal “O Estado de S. Paulo”, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que o modelo utilizado semana passada no leilão das hidrelétricas antigas, que inclui o pagamento de outorga ao governo, será replicado em todas as áreas de infraestrutura. O leilão rendeu ao governo R$ 17 bilhões no pagamento de outorgas, recursos que devem entrar em caixa em 2016.
“(Vamos adotar esse modelo) para todos os setores. Cada um, lógico, tem as suas características, mas a estratégia é ter o setor privado, ter a concorrência, ter preços realistas e constituir ativos que sejam financiáveis pelo mercado de capitais”, defende Levy. “É a maneira de você criar expectativas e confiança de mercado.”
Com a cobrança extra, além de elevar a arrecadação, o governo resolve o problema do financiamento dos investimentos, pois o modelo é atrativo aos bancos privados. Isso libera o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e, por consequência, o Tesouro Nacional de participar desses empréstimos.
No leilão realizado na semana passada, sem a outorga a tarifa para o consumidor seria de R$ 30 por megawatt-hora (MWh), suficiente para operação e manutenção das usinas. Na licitação, o preço ficou em R$ 124,88 por MWh, valor que inclui a parcela da outorga e de melhorias dos empreendimentos.
Para o ministro, ao estabelecer a tarifa para uma usina antiga compatível com o preço de uma nova, o governo reequilibrou o setor e estabeleceu uma forma de financiamento de longo prazo para o investidor.
“É o reequilíbrio do setor elétrico, sem sombra de dúvidas. Ao ter preços que são compatíveis com a expansão e dar essa fonte de longo prazo, eu crio novas bases”, afirmou. “No caso deste leilão, uma parte do financiamento deverá, daqui a alguns meses, ser refinanciado no mercado de debêntures. É um ativo extraordinário porque boa parte é quase uma renda fixa.”
O ministro admite que um ponto positivo do modelo é que ajuda a arrecadar recursos para o superávit primário. Mas alega também que a tarifa mais alta para o consumidor aumenta os investimentos, ou seja, a poupança do setor. “Na verdade, uma parte a gente está tendo que usar agora para fazer superávit. Mas uma parte é reciclada no setor. É uma tarifa que tem um aspecto de poupança, ela aumenta a poupança. E aumentar a poupança é fundamental para poder financiar o longo prazo”, disse.
Para o sócio-diretor da LCA, Fernando Camargo, o preço definido para o leilão não pode ser avaliado como realista. “Realista seria se o governo tivesse estabelecido uma tarifa-teto de R$ 50,00 por MWh. Não dá pra dizer que incluir outorga é fazer realismo tarifário, mas sim um custo para sustentar o Tesouro”, afirmou.
Responsável pela área de infraestrutura, Camargo diz não ser contra a cobrança de outorga. Na avaliação dele, porém, o dinheiro deveria ser utilizado para novos investimentos na área de energia, e não para cumprir a meta fiscal. “É uma decisão política, que nada tem a ver com o setor elétrico ou realismo tarifário”, disse.
Na avaliação do sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, mesmo com preços mais altos, o leilão não conseguiu atrair muitos interessados. “Tínhamos duas grandes usinas no centro do sistema de carga, mas apareceu apenas um interessado, apesar de uma taxa de retorno boa. Isso mostra que o investidor vê um cenário de instabilidade regulatória e insegurança jurídica”, afirmou.
Segundo Pires, de 2012 até agora, o governo publicou sete medidas provisórias e nove decretos envolvendo o setor elétrico. “Esse leilão foi feito apenas porque o governo precisava de dinheiro. “O investidor vê que o governo aumentou o preço e incluiu outorga porque precisava, não porque acredita no modelo em que o setor privado investe e o regulador fiscaliza.”