Autoridades do Haiti afirmaram ter frustrado uma "tentativa de golpe de Estado" contra o presidente do país, Jovenel Moïse, que teria sido alvo de um atentado também mal sucedido neste domingo, 7, em meio a controvérsias sobre o fim do seu mandato. "Agradeço ao responsável pela minha segurança e pela do palácio. O sonho dessa gente era atentar contra minha vida. Graças a Deus isso não ocorreu. O plano foi abortado", disse Moïse no aeroporto da capital, ao lado da esposa e do primeiro-ministro, Joseph Jouthe, antes de embarcar para o balneário de Jarmel, no sul do país, onde vai passar o carnaval.
Mais de 20 pessoas foram presas durante a suposta tentativa de golpe, entre eles o juiz do Tribunal de Cassação – maior instância da Justiça haitiana – Ivickel Dabrésil e a inspetora geral da polícia nacional, Marie Louise Gauthier. "O juiz organizou um complô para dar um golpe de Estado para desestabilizar o país", disse o ministro da Justiça, Rockefeller Vincent.
A instabilidade política no país se acentuou neste domingo em razão de uma controvérsia sobre o fim do mandato do presidente Moïse. Com o "grupo golpista" foram apreendidas várias armas, incluindo fuzis, pistolas e uma submetralhadora Uzi, além de facões. Segundo o primeiro-ministro, Joseph Jouthe, eles planejavam deter o presidente e depois ajudar a nomear um presidente de "transição". Entre os documentos apreendidos pela polícia, acrescentou Jouthe, estava um discurso do juiz preso.
A oposição nega uma tentativa de golpe, mas há semanas vem pressionando pela renúncia de Moise e pela nomeação de um presidente interino para um período de transição – um dos cotados para ocupar o cargo era justamente o juiz Dabrésil. "Não se faz um golpe de Estado com duas pistolas, três ou quatro fuzis", afirmou André Michel, porta-voz do Setor Popular Democrático, partido de esquerda do país.
As prisões dos opositores – condenadas por vários partidos políticos e organizações, que as consideram ilegais – não impediram que os planos de nomear um presidente interino fosse cumprido. O juiz do Tribunal de Cassação Joseph Mércène Jean-Louis, de 72 anos, leu um breve discurso no domingo, dizendo aceitar "a escolha da oposição e da sociedade civil para poder servir ao país como presidente interino da transição".
<b>Controvérsia</b>
A atual crise política no Haiti se iniciou na última eleição presidencial, realizada em 2015. No país, o mandato do presidente dura cinco anos e começa no dia 7 de fevereiro do ano seguinte às eleições.
As eleições de outubro de 2015 terminaram com a vitória Moïse no primeiro turno, mas a votação foi anulada após denúncias de fraude. Declarado vencedor na eleição organizada um ano depois, o atual presidente assumiu o cargo finalmente em 7 de fevereiro de 2017.
O "atraso" no início do mandato, entretanto, causou uma controvérsia constitucional: Moïse diz ter direito a um mandato de 60 meses, enquanto a oposição afirma que o presidente teria que sair do poder no domingo passado, cumprindo o prazo referente à eleição de 2015.
"Minha administração recebeu do povo haitiano um mandato constitucional de 60 meses. Esgotamos 48 deles. Os próximos 12 meses serão dedicados à reforma do setor energia, realização do referendo e organização das eleições", tuitou Moïse.
No entanto, o Conselho Superior Judicial do Haiti determinou o fim do mandato do presidente. Na resolução, o conselho se declarou "extremamente preocupado com as graves ameaças resultantes da falta de um acordo político ante a expiração do mandato constitucional do presidente".
Desde janeiro de 2020, o Haiti não tem um Parlamento em funcionamento, de modo que o presidente governa por decreto, o que aumenta a desconfiança do povo. "A democracia está ameaçada e o Estado de Direito está em perigo", declarou André Michel.
Em uma mensagem à nação gravada e difundida pelas redes sociais na tarde do domingo, Moise afirmou que não renunciará e, em um movimento inesperado, convidou os opositores a dialogar. "Vamos nos unir para fazer reformas efetivas na Constituição do país. Hoje é 7 de fevereiro, o presidente não se vai. Segue aqui. Sentemo-nos juntos para dar outro rumo ao país", afirmou.
Para não deixar dúvidas sobre suas intenções, o presidente ainda disse que lhe restam "364 dias no poder" e que não haverá transição. Moise, porém, admitiu ter "fracassado" no objetivo de estabilizar a nação. Mas culpou a "máfia criminosa dentro do Estado" e os "oligarcas corruptos" por "todos os males do país", e prometeu seguir enfrentado todos eles.
<b>Protestos</b>
Em meio ao cenário político, opositores do presidente realizaram manifestações nas ruas de Porto Príncipe e de outras cidades do país, com a participação de centenas de pessoas. Na capital, cenas de violência foram registradas entre policiais, que em alguns casos utilizaram munição real para dispersar a multidão, e manifestantes. Os atos, contudo, não conseguiram repetir o número de manifestantes que saíram as ruas no fim de 2019, que já exigiam a saída de Moise do poder. (Com agências internacionais).